sexta-feira, abril 27, 2007

O estado da nação



Enquanto esperamos o relatório da subcomissão parlamentar (três meses? três anos? três décadas?) sobre “os finalmente” a que vão chegar sobre o estado das prisões portuguesas, podemos ir fazendo um esforço na comparação - mesmo que superficial - com o estado do país. E ao ouvir atentamente os discursos comemorativos do 25 de Abril, ou mais recentemente o debate mensal na AR com o PM, rapidamente chego à conclusão que a coisa pública não está melhor nem pior que nós, antes pelo contrário. E têm rosto. “Dão” na televisão, vêm nas notícias da manhã e abrem os telejornais.

Sarcasticamente ou talvez não, até os piores intrujas que dormem aqui dentro, e são minha diária companhia, “têm” o seu partido, o seu clube, as suas próprias ideias quanto ao funcionamento de uma sociedade que se diz livre. Ou melhor, retratam-se nas pessoas públicas, movimentos cívicos e gangs. Numa palavra; conotam-se. Sobretudo com a última.
Sabemos que os exemplos a que me refiro não são propriamente conhecidos do grande público. No entanto, se eu aqui escrever que Fulano de Tal está condenado por furto, extorsão, várias ilegalidades financeiras ou uma simples posse ilegal de arma de fogo e é militante do partido xis, é claro que os órgãos soberanos da direcção da força partidária em causa aprestam-se a desmentir qualquer vinculação a tal prova.
Da mesma forma estarei à vontade para afirmar que o mesmo se passa no mundo futebolístico, nas empresas prospectoras do mercado imobiliário/construção, nos accionistas maioritários dos novos projectos e nos grandes grupos económicos. Isto é verdade. E recuso-me por um dia a não ter que recorrer às notícias da comunicação social ou dos blogues para o provar.

Numa consequência final, e por muito que me esforce, ainda não percebi onde falhei no golpe que queria dar. A sério. Provavelmente falhei nos meios e nos recursos. Nas técnicas habilidosas que agora tanto se fala, visto que outros às claras e mais notórios neste Portugal de que tanto gosto, fizeram e fazem bem pior e continuam imunes.

Deve ser um problema de Justiça.
Ou na melhor das hipóteses, do estado da nação à qual a malta livre aí por fora continua agrilhoada. Ou conotada.

Nada melhor que um Benfica - Sporting para acalmar as hostes.

terça-feira, abril 24, 2007



Sabemos de fonte segura que a subcomissão parlamentar de Justiça e Assuntos Prisionais, presidida pelo deputado Ricardo Rodrigues, iniciaram visitas de estudo a estabelecimentos prisionais com vista a elaborar um relatório final a entregar ao próprio Governo sobre as condições actuais das prisões portuguesas.
Para nós não é novidade. A novidade seria que de uma vez por todas se chegasse a conclusões reais e se pudesse melhorar o “ranking” em que nos encontramos nos Relatórios do Conselho da Europa em relação a esta matéria.

Na situação actual do país, todos nós sabemos que a questão de melhorar os Serviços Prisionais é melindrosa. Para além da (in)capacidade financeira existe pouca vontade política, como referiu António Pedro Dores, membro da direcção da Associação para o Desenvolvimento Contra a Exclusão (ACED) em declarações a que tivemos acesso.
Não os condeno. Sempre assim foi, e continuará a ser, devido ao facto de sermos considerados excedentários. Disponíveis. Gente de terceira categoria. Gajos que eles querem que se fodam. No entanto, quando se fala nestes assuntos em corredores ministeriais, ao contrário do que vem escarrapachado na comunicação social, a matéria é de pouca relevância e, em alguns casos, é mesmo tabu.

Querendo fazer passar a ideia de que se está a fazer os possíveis e os impossíveis para que uma reconversão da tendência que se agrava dia após dia nas condições prisionais se consiga anular, estão a ir pelo pior caminho pois auscultam as pessoas erradas. Nós sabemos isso e alguns Serviços também. Mas isso agora, como diz a outra, não interessa nada. A malta desenrasca-se.

O importante mesmo são as melhoras do Eusébio e a valorização da nossa auto-estima por todos os meios que possamos ter ao nosso alcance, pois pode acontecer que seja uma das saídas mais sérias para nos podermos reintegrar o mais rapidamente possível
Seria o nosso 25 de Abril.

terça-feira, abril 17, 2007

A lei é dura, mas é lei


Foto Público


É suposto o Estabelecimento Prisional de Lisboa ser um dos sítios do país, e talvez do mundo, onde se aglomeram mais facínoras por metro quadrado. Não pretendendo de alguma forma branquear os disparates desta malta que me cerca, discordo. “Lendo os processos” de muitos deles aos quais não tenho acesso na versão timbrada, custa-me a crer estar a almoçar com um gajo que desatasse aos tiros às pessoas sem razão aparente. No entanto, aí por fora a coisa, indesejavelmente, acontece.

Já referi algures, num destes textos avulsos, que o EPL é o sítio mais seguro da cidade. Mantenho. Como também faço questão de acrescentar que é o sítio mais justo onde se possa estar. Quer ver?
Tudo é distribuído equitativamente; a alimentação, o vestuário, a educação. Regras básicas para que perante a lei todos tenham iguais garantias. Aí por fora não.
Neste centro de acolhimento e reinserção ninguém corre o risco de morrer por atropelamento e fuga. E estando nós sujeitos a várias infecções e outras disfunções orgânicas, ninguém morre por falta de assistência médica. Aí fora sim.

Quanto à justiça propriamente dita, e numa nota final, visto não me poder esticar muito, não me recordo de ter conhecimento, ou poder ter acontecido com os nossos próprios casos, uma decisão judicial tão contraditória – para não lhe chamar outro nome - como aquela que a juíza Sílvia Pires deu a conhecer ontem à tarde no Tribunal de Torres Novas.
Não me lembro de ter podido acontecer que a quebra de regras e comportamentos fundamentais para que a ordem social se mantenha dentro destes muros, tenha sido alguma vez escamoteada face aos exemplos que nos chegam de Felgueiras, de Valentim Loureiro e de outros tantos etecéteras e algumas engenharias.
Mas aí fora pode.

segunda-feira, abril 16, 2007

Uma voz muda de porta fechada *



“Para este Palacete entram-nos diariamente gente estranha pela porta. De silêncio imposto e algemada. De semblante carregado e ameaça no olhar. São os Canalhas de Jorge de Sena. Os Vencidos da Vida de Oliveira Martins. A Geração Rasca de Vicente Jorge Silva.

Como em qualquer parte onde se nasça e se labute, escrever sobre a história de cada um é descoberta. É achamento. É o desflorar de virgens que mil gentios jamais entenderão. E analisando friamente os passos trémulos dos novos penalizados por este velho que já não tem remédio, podemos descobrir que têm medo. Podemos achar que foram parvos. Podemos entender o terem chegado ao fim da linha.

Falar-se intramuros destas coisas não é pecado. Tão pouco debater as causas desta malta que aparece é insensato. Mas estamos sós. Precisamente no dia em que o arrependimento da maior parte deles se podia fazer ouvir. Precisamente no Dia Mundial da voz. Uma voz calada e triste, é certo. Mas que podia ser escutada nem que fosse de quando em vez.”


* Escrito por "TiJoão", o nosso decano, condenado à pena máxima e sempre resguardado de embrulhadas, que convidei a escrever a visão que tem de nós e colocá-la por baixo da grade da minha cela. Por vezes também fechada.

sábado, abril 14, 2007

“Ser ou não ser, eis a questão”



Na pacata cidade de Stratford-upon-Avon nasceu em 1564 William Shakespeare, o autor do célebre título.

Anda hoje, o Globe Theatre - mandado construir por ele segundo consta - faz representar as peças de teatro mais famosas de que há memória; como Hamlet ou Rei Lear, por exemplo.
Pelos parcos recursos onde sempre fui criado, é óbvio que nunca teria a possibilidade de estar presente em qualquer delas. Tal como a maior parte dos inquilinos deste Palacete à beira-mar, e que adoram representar numa sala que temos para o efeito, jamais constam sonhar lá ir um dia. No entanto, temos a televisão de serviço público que nos permite acompanhar outras quase de igual sucesso.

Não é que tenha qualquer importância para o debate da questão saber se para ser PM é necessário possuir altos estudos académicos. Em todas as formas de governo por esse mudo fora há, e houve sempre, de tudo um pouco à frente dos des(a)tinos de nações prósperas. Desde cow-boys a exterminadores implacáveis, magnatas dos media e do petróleo a fundamentalistas religiosos, de simples operários a músicos ou atletas de alta craveira.

O teatro grego impôs as suas regras muito antes de se saber que a mentira é a máxima expressão da esquerda-baixa para um trágico suspense em palco. O chinês, na sua forma de No e Kabuki, talvez tivesse surgido anteriormente para que fosse dado forma aos clichés mais sonantes, e o italiano com a sua commedia dell’arte, suponho eu, também tiveram a sua quota-parte para que o drama surtisse efeito.
Mas passados que foram os anos trinta – os anos dourados dos actores portugueses que ainda hoje consagramos – a tendência de se fazer da política um palco, continua.

Tal como na vida, cada um de nós tem um papel a desempenhar. Uns fazem de heróis, outros de vilões. Mas infelizmente, tendo como ponto a mesquinhice nacional.

quinta-feira, abril 12, 2007



O semanário Sol na sua página da Internet e o site Alvor de Sintra divulgam hoje a notícia da assinatura de um protocolo.
Um protocolo especial que nos diz respeito e onde apetece dizer: Foda-se!, até que enfim.
Afinal, sempre estivemos certos quando lemos que para o ministro Alberto Costa se «trata de uma iniciativa muito válida de reinserção social, que abrange um número significativo de pessoas, que vão ter acesso a formação e certificação».

Senhor Director:
Está de parabéns pela visão que tem das coisas.


Justiça seja feita também a um Amigo virtual, o Eduardo do Bloguices (que refuta sempre qualquer referência elogiosa) e que nos acompanha desde o início e nos tem ensinado umas merdas sobre blogues. Inclusivamente a de um pequeno “detector de metais” que nos permite saber de onde aparecem as pessoas que vão passando por aqui. Sem ele e sem elas, seria difícil continuarmos este projecto.
E a todos, sem excepção, agradecemos a atenção e o incentivo que nos têm dado.
Para além de termos passado a dormir melhor, sentimos que as grades das celas estão a começar a abrir-se. Talvez para um futuro que muitos de nós vão querer aproveitar.

terça-feira, abril 10, 2007

“Todos somos iguais, mas uns são mais iguais do que outros.”
George Orwell, “1984”

Como se calcula, numa sociedade frágil e em constante mutação, os problemas económicos acumulam-se. A portuguesa não foge a essa realidade e os resultados podem explicar-se por si quando se pretende falar em gastos e consumos como bandeira deste governo que (n/v)os rege.
Quando se está isolado, dizem os entendidos, pensa-se melhor. E pensando isoladamente na notícia que corre na imprensa escrita sobre quanto custamos, até a pele das zonas mais pudicas ( quase ia escrevendo a dos colhões) se me arrepiam. A sério.
Chegaram todos a uma brilhante conclusão: valemos quarenta e seis euros/dia.
Ou melhor, não valemos. Custamos.

Quantos portugueses livres estão de carteira limpa para gastar esse dinheiro?
Segundo estatísticas que não li mas sei que possam existir, quantos portugueses pagam dos seus impostos a nossa manutenção? Quantos estarão de acordo que estamos aqui sem fazer a ponta dum corno e a usufruir do que aí fora muitos não conseguem ter?
Quarenta e seis euros/dia equivale ao gasto numa estância em Vilamoura em época alta. Equivale ao consumo duma vida rica em Cabo Verde ou São Tomé. Ou no Brasil, inclusive.
Quantos trabalhadores neste país, fazendo contas ao dinheiro antigo, ganham por dia esse valor?

Tendo como memória que o Estádio Nacional foi construído por reclusos de Caxias, ainda eu não era nascido e nem pensava vir aqui ter, fico fodido só de pensar que dispensam a força braçal e intelectual de alguns de nós.
Já uma vez referi que nos podiam aproveitar como suplemento nas melhorias que o licenciado Sócrates propõe.

Exemplos?
Estamos habilitados na limpeza das matas e das carteiras. No auxílio às populações em caso de catástrofe e nas riquezas em posse de quem não as sabe utilizar. Na vigilância das costas marítimas por onde entra um futuro que dá lucro. No assalto e prevenção às farmácias e outros sítios comunitários, apoiados pelas autoridades competentes, que todos os dias sabemos serem fraude. Imensos serviços que podemos recompensar na falta dos meios que diariamente são solicitados.


Claro que todo este processo tem um custo: a disponibilidade de nos reabilitarmos por todos os meios que nos possam proporcionar e reduzirmos o gasto dos filhos da puta daqueles nove contos e seiscentos que custam a toda a gente.
Apenas pretendemos que se transformem. Não em gasto, mas no possível investimento que podem fazer de nós, cidadãos indefinidos, que pretendem ver o país crescer.

Peço desculpa pelo sarcástico desabafo , mas hoje tinha que ser.
Ponham-nos a trabalhar para que possamos acreditar que temos uma hipótese de sermos iguais aos outros. Mesmo que outros sejam mais iguais que nós.

segunda-feira, abril 09, 2007

O Evangelho de Judas


Pintura de Caravaggio

Contrariando o pensamento de Ireneu, admito que Judas não foi o que a História reza. Tal como a história de alguns de nós, que os gentios e os gnósticos preferem que assim seja, o também não é.
A refutação pegamo-la pelos cornos destas notícias que nos chegam, gentilmente cedidas pelos serviços de informação:


* Ministério da Justiça cria casas "de transição" para reclusos (link)

* Reclusos em regime aberto duplicam na Quinta da Várzea (link)

Já esta nos torna cúmplices num silêncio que não podemos romper.
Talvez por vestirmos a pele de Iscariotes sem ter que receber trinta dinheiros.

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A Faculdade de Direito do Porto criou uma unidade de estudo sobre Criminologia.
Como princípio, parece uma boa ideia. As orientações é que vão ser do caraças.
Para além dos estudos publicados onde podem obter ajuda ("L'Uomo Delinquente" de Cesare Lombroso é um exemplo), muitos outros documentos disponibilizados por essa Internet afora também podem ajudar. O que não estou a ver é como podem ir mais além se não lidarem com o garante desse próprio estudo. Ou seja; nós!
Quer seja no Porto, em Lisboa, Setúbal ou na Conchichina.

Não pretendendo de forma alguma tirar-lhes o vigor da iniciativa, aconselhava-os apenas a tentar perceber quem somos, o que fazemos ou fizemos e o porquê. Não vão os gajos pensar que alguns de nós, apenas um pouco mais velhos que eles, não começámos precisamente pelas pequenas infracções que eles cometem quando estão acompanhados com a simbiose perfeita quando juntamos os amigos e amigas que talvez nos fizessem perder a cabeça.

Não se trata de denegrir a forma nem o conceito que um futuro criminologista possa gerir. É apenas uma chamada de atenção para a observância que se possa ter sobre um alegado criminoso. Aí, é que a porca torce o rabo…
(e já tenho aqui um sacana a dizer-me que os gajos não têm colhões para vir falar com a gente)

Sucesso é o meu desejo, FDUP!

quinta-feira, abril 05, 2007

O dia de amanhã

Na penumbra da noite perante as paredes da cela que me acolhe, costumo sonhar com tudo; planos e mais planos, borgas e gajas boas, ter uma vida confortavelmente cheia. Do quê é que nunca chego a descobrir porque entretanto ouve-se a voz de comando: “Reclusos fora das celas!”. E lá vou eu, às sete da matina, recomeçar mais um dia de degredo.
Provavelmente um dia igual a um comentário anónimo que aponta para a falta de coragem de “quem nunca tem a coragem de mudar de vida”.

Quase nos trinta, não me parece que todos os sonhos se tornem realidade. No entanto, não custa muito acreditar que o conseguirei fazer. Não só por mim, mas pelo que revejo nos conselhos de quem nos incentiva neste espaço.

E fico grato por isso. Eu e toda esta malta que vos vai lendo.

diz que é uma espécie de farsa e tonteria

Existe uma história antiga que dava conta de uma notícia sobre a fuga de trezentos malucos fugidos do “Júlio de Matos” que quando recapturados nenhum era daqueles que fugiram.
Ocorreu-me quando vi as imagens do, como lhe chamam os entendidos, clássico Benfica - FCPorto. E discordo do termo.
Clássico cá p'ra mim é Ludwig van Beethoven, Auber, Shakespeare. O Matra Simca 508, Um Eléctirico Chamado Desejo ou La Traviata.
Já sobre os malucos estou mais de acordo porque temos aqui gajos parecidos com todos aqueles pintas que nos deram a sensação de que, afinal, a história antiga é capaz de fazer sentido.