segunda-feira, julho 30, 2007

Tá um calor do caraças



Traçando a riscos pretos o quadro que fazemos daqui de dentro do que se vai passando aí por fora, asseguro que não vendíamos nenhum. Mais facilmente cantávamos o fado no eléctrico 28 para angariar uns trocos, ou entrávamos numa daquela de vender na Feira da Ladra alguns excedentes da família para comprar aquilo que faz rir. (que felizmente não é o meu caso)

Personalizando a coisa pelo lado cómico da questão, admito circunstancialmente que não perco um episódio dos Simpsons. E se pelo lado romântico tenho um fraquinho pela Maria Sharapova, admito igualmente que detestamos o Bush, o Alberto João e aquele homenzinho minúsculo que quer chegar a PM.
No entanto, na vertente social específica, e mesmo correndo o risco de me espalhar ao comprido, a ideia defendida por Magalhães e Silva de ter “advogados em todas as 248 esquadras da PSP e 400 postos da GNR, 24 horas por dia, como meio de assegurar o respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos”, deixa-me de boca aberta. E porquê? Porque tenho gajos aqui, que se dizem cidadãos, que preferiam as paredes das esquadras acolchoadas. (rs)

Num cenário ainda por fazer e muitas histórias por contar, se o candidato ao cargo de bastonário da OA soubesse da missa a metade, “os direitos, liberdades e garantias” nas esquadras e postos de polícia saberia que é tabu.
Nunca renunciei à minha culpabilidade. Também nunca omiti que me sinto arrependido. Mas que faz um calor do caraças nos “interrogatórios” das forças de segurança, lá isso faz.
Que o diga a cabeça de Carlos Rosa encontrada em Chelas enquanto o advogado estava a jantar.

Trinta milhões de euros por ano e emprego a 2600 advogados depois, veremos no que vai dar.

terça-feira, julho 24, 2007

Férias



Para além do Natal de família, e da própria liberdade claro, são as férias dos outros que nos fazem mergulhar na auto-crítica e abraçar o arrependimento. Falamos da população reclusa portuguesa que andará à volta dos 42% pela última estatística a que tivemos acesso.

Como portugueses que somos, somos desenrascados e minimizamos os estragos que essa angústia provoca. Do tanque fazemos uma piscina e andamos de calções e descalços como o faríamos numa praia de Miami. Nem sempre são permitidos churrascos mas, ainda assim, quando os há, convidamos os vizinhos das celas adjacentes como se vivêssemos em Beverly Hills e a coisa ultrapassa-se com o nosso grupo musical Tass Bem a fantasiar como se estivéssemos no Festival de Paredes de Coura.

Por isso, nós os condenados por delitos menos graves, fazemos do mês de Agosto o nosso mês de férias. Discutimos o estado da nação, congratulamo-nos com os resultados obtidos na escola pelas nossas crianças (deles, que eu não as tenho) e realizamos eventos onde a escrita, o desporto e outras artes lúdicas têm o seu próprio espaço.
Este ano acontece que fomos um pouco mais longe com esta oportunidade que as novas tecnologias facilitam. Temos recebido inúmeros mails com textos que vão enriquecer o nosso Jornal de parede e agradecemos a todos a partilha.

Pessoalmente, não quer dizer que sejam umas férias de luxo. No entanto, sempre dá para desanuviar as saudades que um gajo tem de uma bejeca bem fresquinha, de uns mergulhos na Praia da Rocha, e na visão que os corpos escaldantes e bronzeados das gajas boas me fazem recordar.
Mas tá quase. Posteriormente a este mês de Agosto, talvez o próximo consiga aproveitá-lo de outra forma. Uma forma mais real. Vai depender do meu advogado e da abertura que o novo Código de Processo Penal possa me incluir.

Entretanto, vou-vos vendo por aí.

sexta-feira, julho 13, 2007

Jornal de parede



Enquanto esperamos resultados da Lei da Atracção, e se vai descobrindo que, afinal, há mais gente ilustre e pública com telhados de vidro e o drama autárquico se vai arrastando, pensámos em seduzir madrinhas e padrinhos de reclusos. A coisa é fácil de adoptar tendo em vista que daqui ninguém lhes irá fazer mal.

A ideia consiste em elaborarmos mais um aniversário do nosso Jornal de parede com textos sobre assuntos que são do agrado de quem o tem feito neste últimos anos de reclusão. E temos alguns tipos que quem os visse ou ouvisse não os levava presos.
Trata-se, a meu ver, de uma medida pedagógica de elevado grau de sensibilidade social – sim, porque nem todos os que aqui moram, andam armados em parvos e aos tiros e às facadas às pessoas – que proporcionaria outra visão de ver as coisas.

Como se pode perceber, não vou obrigar nesta sexta-feira 13 o “Marmitas” a ler Liev Tolstói ou a ouvir a ópera Des Teufels Lustschloss de Franz Schubert, quando a vida dele foi sempre uma guerra constante onde Deus nunca existiu e que uma nota de música para ele é um calhau. Ou nunca me passaria pela mona acreditar que o “Moisés Maia” (um dos ciganos mais espirituais que já conheci) se pusesse aqui a tocar castanholas como se fosse o Paco de Lucia em versão light. Nada disso.

O que peço, é tão simplesmente que nos enviem, por gentileza, via e-mail clicando ali ao lado, um parecer (que a gente não paga em numerário como é moda corrente no Banco de Portugal e nos consultórios de advogados) sobre os assuntos que mais preocupam alguns dos voluntários do nosso Núcleo Duro que aderiram a esta iniciativa interna. Eu incluído. E passo a apresentá-los:

- Jaime “Canhoto” Silva; país, pobreza, fome.
- Joaquim “Negrão” de Angola; exclusão, racismo e África.
- Tony do Bairro Alto; curtir, futebol e fado.
- Zé “Prisas” Amaral; amor, ódio, paixão.
- Victor “Seringas” Pais; sida, doença, cura.
- Rafa “Verde e Amarelo”; favelas, meninos da rua e o futuro.

Não há pressa nem pedimos que se identifiquem. Mas em Agosto gostaríamos de ter afixado o que nos chegar para toda a gente ler o que se pensa aí por fora.
Talvez até, fazermos disso as nossas próprias Sete Maravilhas. Ou mais.

Ficaríamos gratos.

ps - só mais uma coisa; gostaríamos de ter a permissão de também publicar aqui. Pode ser?

terça-feira, julho 10, 2007



“Tudo o que somos é o resultado dos nossos pensamentos.”

Buddha



Chegou-nos por mão amiga um segredo: a lei da atracção.
Pelas primeiras leituras e visionamento, estamos a descobrir o Cosmos e as suas forças. A relação do E = mC2 de Einstein, a vibração do pensamento e outras ferramentas que o nosso inconsciente possui. Dizem-nos que basta apenas desejar o que queremos de melhor para nós e a todos quantos nos rodeiam para modificar o nosso modo de vida.

Estamos seriamente a reflectir sobre isso e desconheço se estarei apanhado por alguma bóia de salvação – versus misticismos, religiosidades e outras tretas – ou aquilo é mesmo assim?
Por isso pergunto: alguém sabe no que nos estamos a meter?

domingo, julho 08, 2007

Um tiro na tola



Agora que é público (mas sabemos de fonte segura que o caso está a ser abafado), temos toda a legitimidade para divulgar os relatos de gajos - meus companheiros de cela - que sempre disseram que muito boa gente come à pala da droga. Eles é que “tiveram azar e foram fodidos” é a desculpa. Mas por uma questão de princípio e limitações internas a que estamos sujeitos, não o fazemos.

O que nos espanta é o deixa andar em que esta sociedade vive, que se diz justa e livre, e não pune e castiga os órgãos que devem ser de incontornável seriedade, como fazem com os nossos delitos. A Polícia Judiciária, ou qualquer outro órgão institucional que garanta o funcionamento quase perfeito da sociedade em geral, não pode ficar de fora.

E se fizermos uma introspecção a casos que estão a cair no esquecimento global e a inúmeros branqueamentos por forças ocultas deste país, podemos verificar que a Justiça, essa diva de olhos vendados, se a venda lha tirassem, com outro olhar sentiria que não somos só nós que merecemos estar aqui.

Parafraseando o sapateiro dum grande filme português: ou há moralidade ou comem todos.

quarta-feira, julho 04, 2007

Rir é o melhor remédio



A crer no acordo do Novo Quadro de Apoios Financeiros da União Europeia, os investimentos - públicos e privados ao nosso país com uma data de siglas por detrás - ascendem a mais de quarenta mil milhões de euros.
Dasse…quarenta mil milhões é muita massa. E agora com a presidência portuguesa à cabeça poder-se-á perguntar: vão ser investidos em quê?
Estando nós limitados a questionar o Sr. Primeiro-Ministro sobre “selectividades” e “escolhas políticas rigorosas” que a Agência Lusa noticiou como sendo palavras dele, no entanto, não deixamos de pensar sobre a finalidade na utilização de tais fundos comunitários que da proveniência poucos sabem.

Dando de barato, poderia acrescentar que a aposta nas “novas tecnologias” não adiantam muito se as pessoas não forem formadas. A também crer nos números de escolaridade e formação profissional da rapaziada toda que habita este cantinho à beira-mar, não se prevê, ao seguirmos o percurso das reformas sociais que este governo tem quase imposto, estejam para aí virados. Se calhar, novas estradas. Algures uma ponte, um aeroporto. Uma estância balnear ou mais dois ou três estádios de futebol, enquanto se vão fechando escolas, centros de saúde, maternidades, e até já se fazem negócios com a venda das prisões.

Sei que somos olhados como sendo ninguém. Malta reles e estupidificada.
Mas de qualquer forma, mesmo sem o canudo de engenheiro, sabemos que um edifício se constrói pelos alicerces. E as fundações são importantes porque os terrenos podem ser movediços e ter problemas de estruturas frágeis. Provavelmente, enquanto houver fome e miséria, desemprego e exclusão, gente iletrada e doente, não há milhões que cheguem.
Nem que fossem quatrocentos mil milhões, dizemos nós.