Lar, doce lar
Foto: João Tito
Estes quatro dias fizeram-me bem.
Em mais uma saída precária, optei por fugir. Fugir do hábito de todas as outras saídas que já tive: a casa, os amigos, os locais da minha infância, os bares, os cafés do costume, as putas e vinho verde que faziam as delícias dos dias passados fora.
Desta vez decidi ir ver de perto a malta que todos os dias dão vida à minha cidade e escolhi o Tejo como pano de fundo.
Longe dos sítios habituais, foi bom saber que ninguém reparou no meu cadastro ou nas medalhas por mau comportamento. Trataram-me de igual modo, presumo saber, como tratam todos os outros tipos no dia-a-dia dessa vida aí de fora que corre depressa demais. Por vezes, segundo deu para perceber, no limite de um stress permitido.
Recolhido numa introspecção não muito longe de algum tempo atrás, a minha cidade está diferente. Tem tapetes novos de alcatrão onde se morre mais depressa, muito betão armado (nada condizente com esta gente que não possui sinais exteriores de riqueza que nos querem fazer crer, exista), e muita, mas mesmo muita, megalomania cultural. Pareceu-me tudo fictício.
Num outro lado, dei pela falta das varinas e dos pregões na rua. Agora é mais lojas de congelados e negócios paralelos no consumo de artigos estrangeiros a preços que já passam os trezentos. Já não se vendem jornais à mão dos ardinas do meu tempo, e a própria moda que se passeia pela cidade deixa antever um gosto algo duvidoso. Muitas bombas de cilindrada elevada. Muito topo de gama, muitos tunings, muito rouge, muitos bares de perdição e cabelos oxigenados. Quase tudo fiado. Quase tudo a crédito. Quase tudo falido.
Andei por ruas que mudaram já de nome. Olhei locais que não reconheci à primeira nem à segunda, e os transportes estão mais tardios, e complicados, para quem quer andar a cem à hora. No entanto, mantêm-se os pedintes, os gajos que dormem na rua e a criminalidade. Vi putos de treze-quinze anos a vender droga. No Metro, em hora de ponta, ainda se vê alguns carteiristas afamados que agora escolhem os Centros Comerciais de cinco estrelas e, pela leitura das conversas que tive, há imensa gente de gravata e colarinho engomado que merecia estar cá dentro. Mas isso, são outros quinhentos.
Para além destas superficilaidades, certo certo é que andei o último dia com uma dor de fígado insuportável.Mas passou rapidamente quando transpus o portão do Palacete. Foda-se…
4 Comments:
isso mesmo, aproveita estar aí dentro para fazer a conversão positiva in your mind e ficarás muito mais robusto e, sobretudo, bem-disposto.
(isto é o que dizem os mestres budistas, eu acho que é verdade, mas só consigo de vez em quando e já vou com sorte)
água fresquinha é do melhor que há
py
Pois.
Esta é a outra Lisboa que nem sempre aparecem nos posts...
Foi um banho de globalização!
Mas parece que aproveitaste muito bem o "tempo livre".
Para o fígado, pão com marmelada também ajuda.
Py, se soubesses das conversões que temos feito para nos mantermos vivos...
Buda é um dos que ajuda, mas não tanto para a realidade que esta vida nos reserva.
Luís Gomes, esta visão só não aparece porque, provavelmente, os editores dos posts nunca a viram desta forma.
Tânia, agradecemos a receita (rs). Pode ser que nos faça aproveitar ainda mais o tempo inacabado que nos resta.
Grato a todos pela visita.
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