terça-feira, janeiro 08, 2008

Ano novo, vida nova

Entre os poucos indultos que o Sr. Presidente da República deu (a rapaziada nunca lhe perdoou o esquecimento das prisões no seu Roteiro) e as precárias nesta altura do ano, o Núcleo Duro ficou reduzido a metade (o Zé faz-nos tanta falta). E nesta coisa de entradas e saídas nunca se sabe como se deve interagir. Mas cá vou tentando aguentar esta pesada herança que aquele sacana nos deixou. O Zé.

Num balanço puramente estatístico, uma coisa bate certo: todos se queixam que a merda da vida aí fora tá fodida para aqueles que por mais dificuldades passam. E como se deve calcular, a esmagadora maioria dos reclusos não são originários de famílias abastadas. Daí, o termos testemunhado em conversas informais pelos corredores destas Alas que muitos já conhecem de cor, que muita malta “se desenrascou” para poder comprar uma merdice para os filhos, ou um simples bolo-rei que também custa a mastigar para colocar na mesa de Natal. E isso é fodido, meus. Uns viram as penas agravadas. Outros, lá se desenrascaram.

Certamente que nunca nos podemos queixar do tratamento e das regras deste Estabelecimento Prisional, ou de qualquer outro, porque as coisas funcionam mesmo assim. E por muito que possa doer a quem aqui criou raízes, sempre estivemos a par da realidade; somos escumalha e ninguém dá dois euros por qualquer um de nós. Mas se eu disser que há aqui gajos que estão encostados por pequenos delitos que a lei penalizou com dois ou três anos, e que possuem qualidades que muitos dos "certinhos" do lado de lá do muro não têm, não estarei a faltar à verdade.

Li algures que a medição da cultura dum povo se faz pelo tratamento que dá aos animais, ou coisa parecida. Eu acrescentaria sem pestanejar, que também se pode ajuizar pelo tratamento que os governantes querem, podem, e devem dar aos governados. E mesmo detidos por delitos que a sociedade julga e condena, também temos direito à opinião, sem contudo, recorrermos à indignação. Por motivos óbvios.

Serve este desabafo para constatar que estamos em tempos de mudanças. No Montijo estão a fazer-se coisas novas. Em Paços de Ferreira, também. Por aqui, as mudanças prendem-se com a troca de seringas e com a nova lei do tabaco. Não sei que para que quarto me vão mudar, mas deixar de fumar não deixo, e transformações mais importantes hão-de vir a lume. Nem que seja só p’ra queimar. Mas a malta aguenta.

Daremos notícias novas logo que tenhamos autorização.

Bruno Miguel Martins

10 Comments:

Blogger Fausta Paixão said...

Deste muita informação em poucas linhas, Bruno. Aqui fora ficamos mais a par do que é a vida aí dentro, se é que isso vos anima e vos incentiva a continuar.
Por mim virei sempre saber de que cor é o vosso estado de espírito e em que quarto te puseram, afinal!
Beijitos a distribuir por todos.

12:07 da manhã  
Blogger rascunhos said...

Viva.

Passei só para te ler

Cpts

12:10 da tarde  
Blogger peciscas said...

É evidente que num local como esse, assim como "aqui fora", se mistura gente boa que em certa altura teve um deslize, com gente que não tem perfil moral e psicológico adequado para viver em comunidade, e, por isso, infelizmente, tem de viver períodos mais ou menos longos de segregação.
Mas, fora desses muros, anda muita gente, de fato, gravata e perfume, que bem merecia passar largos tempos a conhecer a dureza dessas regras. Só que tem a sorte ou a manha suficientes, para passar ao lado e disfarçar...
Força, Bruno, para continuares as pisadas dos que te antecedeam nestas "Memórias".

5:54 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Vim aqui parar a conselho da FORYOU com a recomendação de ler desde o 1º texto.
Como o blog já existe desde 2006 decidi intercalar a leitura dos mais antigos com os mais recentes.
Mais uma vez as recomendações da FORYOU mostram-se preciosas, ou não fosse ela a pessoa que é. Os textos que já li são como ela afirma sem rancores, lamechices e falsos moralismos. Um blog onde se aprende o valor da palavra liberdade. O vosso blog é muito bom, continuem.
Abraço.
Rafael

8:35 da tarde  
Blogger Isabel Filipe said...

Olá Bruno,


"...

Mas se eu disser que há aqui gajos que estão encostados por pequenos delitos que a lei penalizou com dois ou três anos, e que possuem qualidades que muitos dos "certinhos" do lado de lá do muro não têm, não estarei a faltar à verdade.
..."

sem dúvida ...
_____________________

e há os que cometem delitos horríveis e continuam por aí impunes ... como p.e. o caso Casa Pia que todos conhecemos ...


_______________

pfvr dá um abraço meu ao Zé quando ele aí for ...

para ti e para os teus companheiros desejo o melhor


bjs

3:07 da tarde  
Blogger Odele Souza said...

Olá Bruno.
Noto inquietação em tuas palavras. É natural, pois mudanças sempre nos fazem criar expectativas.
Quanto a ter aí dentro pessoas com qualidades que as que estão do lado de fora não têm, é a confirmação de algumas das incoerências da vida. Além disso, aqui fora tem muitos que roubam vidas e matam sonhos mas seguem vivendo em grande estilo e na impunidade. - Incoerências da vida.

Ânimo Bruno.

3:00 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Oi, malta!

Nenhuma sociedade é perfeita, Bruno. E por aqui fora também temos que aguentar muita merda.

saddam, o dos fados

11:58 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Olá Bruno,
Sou o "Caloiro" do Sidadania. Escrevi o post "Amor ao próximo" que Vos dedico de alma e coração. Acredito sem sombra de dúvida na vossa qualidade e grandeza enquanto seres humanos capazes e válidos. O Vosso blog é a imagem disso mesmo. Contem comigo. Estou de braços abertos e mãos estendidas para todos vós, sem impedimentos. Convido-vos a lerem o meu ultimo post no Sidadania, publicado hoje.

Abraço,

Caloiro

11:19 da tarde  
Blogger Odele Souza said...

Oi Bruno, companheiros, e Zé Prisas.

Passei para deixar um abraço.

3:53 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Olha lá...
Eu vou querer saber para que quarto te vão mudar!!!
Mas deixar de fumar... só mesmo se tu quiseres...
Mudanças... tomara que fossem para melhor...

Beijo para todos vós e força...muita força!!!

(*)

8:05 da tarde  

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