"E por vezes as noites duram meses/E por vezes os meses oceanos/E por vezes os braços que apertamos /Nunca mais serão os mesmos."
David Mourão Ferreira
As questões exacerbadas cegam as pessoas. Muitas dessas cegueiras estão a cumprir pena por não terem contado até dez antes de reabrirem os olhos. E para que não deixe de ver com este dois que a terra há-de comer, já não passamos cartão ao referendo. Temos motivos variados e de sobra onde nos debruçamos mais interessantemente. O indulto será um deles.
Vai daí, sabemos que foram contemplados 34 tipos com culpas no cartório dos oitocentos e tal que foram solicitados. 28 de redução parcial, 6 de revogação. Incluindo o da gaffe do Presidente. Mas isso a nós não nos diz respeito.
O importante é explicar quais os critérios aplicados.
Na maior pare dos casos há um lado humanitário da Justiça, diga-se em abono da verdade. Noutros, imperam os motivos como o sucesso na reinserção social por via do “estudo”, do “trabalho” e da “recuperação da toxicodependência”, plagiando a análise do Dr. Rui Pereira (professor universitário que preside à Unidade de Missão para a Reforma Penal).
Todos estes mecanismos funcionam nos pareceres dos Magistrados dos Tribunais de Execução de Penas, dos Directores e dos Serviços de Educação e Ensino dos Estabelecimentos Prisionais e do Instituto de Reinserção Social, que são algumas das responsabilidades que estes tipos têm.
Dum modo geral, é apenas isto que quem nos vai lendo por aqui sabe. No entanto, existem outras histórias que um dia poderei contar lá fora e ilustra o reverso da medalha que qualquer vida passada no presídio tem.
Pessoalmente, fui agraciado por conseguir ter mantido uma relativa distância aos frutos proibidos. Provavelmente por não estar na minha maneira de ser e, talvez sendo boa ideia, não faltará muito para que deixe aqui vincado um 'Até sempre'. Outros, entretanto, tiveram melhor sorte e vão ser lançados na rua mais sabidos do que quando cá entraram. Por isso, a história que se segue é curta.
Os olhos que me fitavam à entrada da minha cela, cansados e já sem brilho, ainda assim retinham uma mescla de esperança. Naquele olhar cabia tudo; audácia e verbo, suores gelados e medo. Muito medo.
- Vou-me embora.
Aquela frase de despedida e a barba esbranquiçada e por fazer, tolheram-me qualquer troca de palavras.
Num gesto simples, estendeu-me a mão enrugada pelo passar de muitos anos neste céu aberto do Palacete. Apertei-a, tentando transmitir-lhe confiança.
- O que é que eu vou fazer à minha vida, Zé?
Disse por último, num compasso sem espera nem dar tempo de resposta. Em jeito de quem vai voltar a ver-me.
2 Comments:
O Blogue está fixe, tem muito para ler.
Vé-se mesmo que um preso tem muito tempo para escrever.
EHEHEHEHEHEH!!!
epa esse preso sabe escrever, ele escreve com sentimento,´ja parece o carlos camões,será que se pode ir a cadeia visitar e entrevistar o josé prisas??ELE é um professor para os outros reclusos.
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