Um olhar natalício
Calcula-se, talvez erradamente, que vivendo em ambiente incaracterístico para a maioria das pessoas, o Natal passe despercebido no Palacete. Não passa. Tal como nos lares portugueses por esse país afora e adentro os preparativos começam agora e, como festa tradicional, este evento tem características especiais. Sempre teve. É um momento now and ligth onde a rebeldia e a revolta de quem está preso, a paz-catrapás de dias menos bons, divergências e outras carências, metem folga. Espaço único onde vemos gajos de quase dois metros, tatuados e barbudos, em azáfama constante pelos corredores das alas e oficinas a arranjar ideias.O olhar que vem do exterior motiva-nos. O lado mais humano do pior bandido revela-se. A pieguice dos tipos que nasceram de armas na mão instala-se. Uma mutação emocionante e inexplicável, mesmo aos olhos dos melhores psicólogos e outros tipos que nos tratam da saúde.
Se fosse sempre assim, poderiam ter dito Shakespeare, Cesariny ou Pessoa, a razão de existirem calaboiços não tinha razão de ser. Afinal são estas pequenas merdas que nos fazem iguais aos outros na cosmética social.
Para quem não saiba, estes dias que nos separam do apogeu da mesa posta, da família, das prendas e do bacalhau com todos, criam arte e beleza de onde menos se poderia esperar. A veia poética e artística sobe de tom. A aprendizagem acumulada em meses e anos de degredo dão os seus frutos.
E fazemos de clowns. De actores e nómadas. De gente perdida que encontra o rumo certo no pequeno palco da vida neste cárcere. Pena que seja só por estes dias. Após a passagem de ano continuaremos a contar os outros que nos faltam para sair.






