quinta-feira, agosto 31, 2006

Testemunhos (3)



Por aqui, se vão quebrando barreiras e tabus. Soltam-se as palavras amarradas de quem esteve, e está, calado há muito tempo. E este espaço vai-se tornando um veículo para os testemunhos dos que por aqui pernoitam dias sem fim. Este é mais um grito surdo para se poder ouvir.


"Mesmo detido, vivo num país de facilidades. Quase tão igual ao do “sonho americano”.
Como recluso, sobrevivo com facilidades várias. Facilidades que utilizo como moeda de troca. Como alvará ou salvo-conduto nestes caminhos que se percorrem por estes corredores estreitos e vazios. Por estas celas frias e cinzentas.

Dão-me a facilidade de ler e de estudar.
Sendo um condenado, sobra-me a facilidade de aprender com quem me ajuda e me castiga.
Facilitam-me as artes e os engenhos, dos quais cantou Camões, e tenho a facilidade de perceber que não estarei sozinho entre tão poucos escravos e tanta tirania.

Facilitam-me as refeições a tempo e horas, e um descanso obrigatório que torna livre o pensamento no cavalgar sobre os prados da minha própria vida. Passada e futura.
Facilitam-me a vida, mas nunca a morte prematura que, por vezes, facilitaria menos dor e tormentos nas amarras de quem me facilita tanta coisa. Serei um pesado fardo a tanta facilidade, mas nunca saberei se é fácil viver com isso durante todo o tempo que nunca me restará.

Apenas me falta acreditar num deus que não exista.
Ou rezar a outro que me facilite a possibilidade de entender que não valeu a pena o ter vivido assim."

João Almerindo, o "à queima-roupa", condenado a pena máxima.

quarta-feira, agosto 30, 2006

Casos & Casos, S. A.


Foto devagares

*
"O presidente do Sindicato do Corpo da Guarda Prisional, Jorge Alves, admitiu ontem uma greve da classe, se o Governo avançar com a introdução do sistema de troca de seringas nas prisões. No final de uma reunião com o ministro da Justiça, que durou cerca de duas horas, para discutir aquele assunto, Jorge Alves revelou que Alberto Costa lhe comunicou que os ministérios da Justiça e da Saúde “ainda não têm uma decisão tomada, tanto é que só amanhã o relatório será apresentado aos dois ministros. Só depois disso, e ponderadas todas as situações, é que poderão decidir”, explicou, acrescentando que os guardas prisionais vão “aguardar a decisão”."
Fonte Primeiro de Janeiro

*
Se por acaso prevalecesse
ainda o Caso Gisberta,
e alguém morresse
por não poder ser correcta?
Notícia do Público

*
- Os juízes que tratam da Justiça Desportiva são os mesmos que deliberam em alguns dos nossos processos?
- Acho que sim. Porquê?
- Nada. Só estava a pensar baixo.
“Caso Mateus” in TSF

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Se Alfredo Reinado é major em tempo de guerra, eu sou coronel em tempo de paz catrapaz. Mas o gajo conseguiu pirar-se. Eu ainda não. Pelo menos para onde não quero ir, como dizia o Variações.
Notícia do Portugal Diário

terça-feira, agosto 29, 2006

Lar, doce lar


Foto: João Tito


Estes quatro dias fizeram-me bem.
Em mais uma saída precária, optei por fugir. Fugir do hábito de todas as outras saídas que já tive: a casa, os amigos, os locais da minha infância, os bares, os cafés do costume, as putas e vinho verde que faziam as delícias dos dias passados fora.

Desta vez decidi ir ver de perto a malta que todos os dias dão vida à minha cidade e escolhi o Tejo como pano de fundo.
Longe dos sítios habituais, foi bom saber que ninguém reparou no meu cadastro ou nas medalhas por mau comportamento. Trataram-me de igual modo, presumo saber, como tratam todos os outros tipos no dia-a-dia dessa vida aí de fora que corre depressa demais. Por vezes, segundo deu para perceber, no limite de um stress permitido.

Recolhido numa introspecção não muito longe de algum tempo atrás, a minha cidade está diferente. Tem tapetes novos de alcatrão onde se morre mais depressa, muito betão armado (nada condizente com esta gente que não possui sinais exteriores de riqueza que nos querem fazer crer, exista), e muita, mas mesmo muita, megalomania cultural. Pareceu-me tudo fictício.

Num outro lado, dei pela falta das varinas e dos pregões na rua. Agora é mais lojas de congelados e negócios paralelos no consumo de artigos estrangeiros a preços que já passam os trezentos. Já não se vendem jornais à mão dos ardinas do meu tempo, e a própria moda que se passeia pela cidade deixa antever um gosto algo duvidoso. Muitas bombas de cilindrada elevada. Muito topo de gama, muitos tunings, muito rouge, muitos bares de perdição e cabelos oxigenados. Quase tudo fiado. Quase tudo a crédito. Quase tudo falido.

Andei por ruas que mudaram já de nome. Olhei locais que não reconheci à primeira nem à segunda, e os transportes estão mais tardios, e complicados, para quem quer andar a cem à hora. No entanto, mantêm-se os pedintes, os gajos que dormem na rua e a criminalidade. Vi putos de treze-quinze anos a vender droga. No Metro, em hora de ponta, ainda se vê alguns carteiristas afamados que agora escolhem os Centros Comerciais de cinco estrelas e, pela leitura das conversas que tive, há imensa gente de gravata e colarinho engomado que merecia estar cá dentro. Mas isso, são outros quinhentos.

Para além destas superficilaidades, certo certo é que andei o último dia com uma dor de fígado insuportável.Mas passou rapidamente quando transpus o portão do Palacete. Foda-se…

sexta-feira, agosto 25, 2006

A controvérsia das seringas



O Plano Nacional contra a Droga foi aprovado.
Ainda não tivemos acesso ao seu conteúdo na totalidade mas já se instaurou aqui alguma polémica. Por um lado, aqueles que não estão contaminados ou doentes com as doenças da moda (HIV, Hepatite C, etc.) rejeitam a ideia das máquinas de seringas no Palacete. Mesmo dando o benefício da dúvida aos mentores de tal Plano, resta saber em que locais do espaço abrangente as vão colocar.
Por outro, os mais agarrados àquilo que faz rir, são coniventes com a ideia. Resta saber em que moldes se vai tornar um hábito resistir a que a mesma seringa não seja utilizada duas vezes por diferentes consumidores.

Claro que tudo isto é suposto ter sido já pensado por ilustres estudiosos da matéria. Contudo há reacções que não deixam dúvidas. Ferozes até. A dos guardas prisionais é uma delas.

Você que nos lê, tem alguma ideia do que estamos a tratar?

quarta-feira, agosto 23, 2006

Testemunhos (2)



António Gerardo (ex-recluso do Estabelecimento Prisional Regional de Castelo Branco) endereçou uma carta a Lídia Barata, do Jornal Povo da Beira online.
Quer ler?

segunda-feira, agosto 21, 2006

Testemunhos (1)



“O Instituto de Reinserção Social é o órgão auxiliar da administração da Justiça, responsável pelas políticas de prevenção criminal e de reinserção social, nos domínios da prevenção da delinquência juvenil, das medidas tutelares educativas e da promoção das medidas penais alternativas à prisão”, diz o Portal da Justiça.

E a missão do Instituto de Reinserção Social alicerça-se:
* Na promoção dos direitos humanos, pressuposto fundamental da sua intervenção;
* Na crença no valor da reinserção social;
* Na orientação para resultados no domínio da prevenção dos comportamentos delinquentes;
* Na criação de condições para o incremento das medidas e sanções não privativas de liberdade, com salvaguarda dos interesses das vítimas e das comunidades;
* Numa estratégia de intervenção em sistema prisional que visa primacialmente o reforço das condições de reinserção social em liberdade;
* Em matéria tutelar cível, na focalização do interesse do menor.

Tudo isto era muito bonito… se fosse real.
Na verdade, “os putos de agora são diferentes de nós quando éramos da idade deles”, afiança-me o Tó d’Alfama, um tipo agarrado àquilo que faz rir e que foi criado num desses estabelecimentos ali para os lados da Graça, jurando por todos os santinhos da Sé. Acredito.

"Naquele tempo", continuando a testemunhar-nos a sua experiência, diz que o primeiro escaldão que apanhavam à entrada era um corte de cabelo à-escovinha. “Ali começavam logo por nos despir de veleidades, irreverências ou protestos”, diz ele, danado, e que só lhe apetecia matá-los à dentada.
“Ao primeiro sinal de revolta funcionava logo a chibata. As marcas, ainda penso que as tenho nas costas e nas pernas”, garante. O segundo apertão era os dois dias de cela, já vestido de uniforme azul escuro, tipo pano de zuarte rijo que magoava a pele, para ser estudado o seu comportamento.

Quando colocado entre demais miúdos, ordenados em formatura, tinha que se integrar depressa e fazer valer a sua esperteza e destreza, se não estava lixado.
Desde os banhos de água fria às seis da manhã (hora do levantar) tinham que lavar a sua própria roupa interior (apenas as cuecas de pau, porque camisolas interiores de alças é mentira) todas as segundas-feiras, os lençóis da cama feitos em tecido teso e frio, e a própria farda depois de o pequeno-almoço se cingir a uma caneca de café com leite e um quarto de pão-de-dezasseis sem nada dentro.

"Agora andam à civil e à-vontade", desabafa, na promessa que nos relatará mais episódios.

(continua...)

sexta-feira, agosto 18, 2006

Mão ao ar! Isto é um assalto.



"Uma civilização é julgada pelo tratamento que dispensa às minorias."

Mahatma Gandhi


Em Almada. Como podia ser em qualquer parte deste mundo que nos cerca.


Estes, ontem, tiveram melhor nota.

Então é assim:
quando um gajo quer ter sucesso num assalto, há que ter duas coisas primordiais em conta. Primeira, o factor surpresa. Segunda, a rapidez na execução do serviço.
Olhando de perto este caso de Almada, concluímos que se tratou duma acção esporádica. Um tipo que, por qualquer razão, quis resolver rapidamente uma situação ingrata na puta da vida que muitos dos que escrevem em qualquer pedaço de papel também podem ter. Ninguém no seu perfeito juízo criminal, que determina a qualidade de um assaltante, quer no seu curriculum falhas destas. Costuma dizer-se por estes lados que quando a determinação nos aproxima do precipício que escolhemos para saltar, ou é sim ou sopas.

Em termos mediáticos este caso foi um fracasso. O assalto também.
E quando visualizamos o aparato com que a operação se fez, mais as gaffes de um policial entrevistado nos meios de comunicação social, quando refere o “homem de 34 anos, de sexo masculino” mais o alerta para que a população acate as ordens das forças de segurança para “ tiros disparados” quando ocorrem situações como esta, constatamos que também não ajuda grande coisa à eficácia que as mesmas deviam ter. Mas isto, sou eu a dissertar.

Libertem o homenzinho com as armas de plástico e perguntem-lhe em que é que o podem ajudar. O tal "homem de trinta e quatro anos, de sexo masculino" agudizará ainda mais os seus problemas se vier aqui parar.
Isso sim, era serviço público, pedagógico e social.

Ao som dos Bee Gees, me despeço com um até amanhã.
Camaradas?




ps - Por questões de protocolo e revisão analítica deste espaço, fica o aviso: nunca façam nada que perturbe a ordem pública, não se metam em cegadas - muito menos com bandidos - e tenham cuidado com o que bebem comem e fumam.
Pareço quase o padre da freguesia, mas tem que ser assim.

quinta-feira, agosto 17, 2006

Vigarice



E a gente a pensar que os vigaristas éramos nós.
Curiosa é a forma como nem o nosso endereço de e-mail escapou. Se eles reparassem a quem pertençe o registo da caixa do correio virtual, sabiam logo que não temos conta bancária.
Quanto muito, o que pode ter acontecido, é que vários companheiros destas andanças foram lá sacar algum. Mas já faz tempo.

Entretanto, cá vamos organizando os temas dos blogues por pavilhões. (rs)
Se pretender dar alguma sugestão não se acanhe. Vergonha é coisa que nós não temos.

quarta-feira, agosto 16, 2006

O benefício da dúvida



"Só sabemos com exactidão quando sabemos pouco; à medida que vamos adquirindo conhecimentos, instala-se a dúvida"

Goethe


Acompanhar diariamente os blogues que são de referência avulsa, outros que se vão descobrindo e mais aqueles que vão sendo criados, não é fácil. Para nós, detidos à ordem do estado português e sustentados pelo erário público, ainda menos.
Posso passar a explicar.

O tempo informático disponível não é muito. Temos horários disciplinados em outras actividades que também são importantes: as oficinas, a leitura, o ginásio e o estudo.
Outra responsabilidade que a maioria do nosso Núcleo Duro tem no funcionamento prisional, que a directoria se encarregou de distribuir por aqueles a quem o bom comportamento fez ganhar algumas mordomias excepcionais, é outra das prioridades.
Mas isso ainda era o menos.

Mais que a fadiga, que não temos, sobrepõe-se o esforço intelectual que se exerce quando tentamos acompanhar quase todos ao mesmo tempo. De alguns bloggers que sabemos o nome já de cor, outros existem que também apreciamos ler.
O difícil da situação torna-se na leitura dos temas que abordam e onde o nosso grau académico não é de muita ajuda.

Já temos por aqui tipos baralhados na diversidade deste mundo fantástico, que são os blogues. Desde o futebol às críticas aos ministros, aos artigos de opinião, etc., passando pela formulação de ideias sobre Cuba ou a Praia dos Três Pauzinhos, um livro, um filme, ou a situação no Médio Oriente. Isto para além das histórias pessoais e tantas outras situações que todos têm o direito de escrever e que a mim me encanta. Mas nós funcionamos como grupo e temos que manter a elevação ao mesmo tempo.
Provavelmente a culpa é da nossa própria limitação, mas vamos tentar organizar a agenda distribuindo por assunto o que mais nos agrada ler.

Pedimos desculpa pela estupidez, mas continuamos por aí e por aqui.


Agora deixem-me que desanuvie um bocadinho as mentes mais afectadas.

terça-feira, agosto 15, 2006

Cenas



Relatos da prisão.
Uma reportagem de Leonor Paiva Watson e Fernando Oliveira. No JN.

domingo, agosto 13, 2006

Adeus tristeza



Neste local em que nos encontramos, e onde ainda prevalece o direito de admissão, qualquer domingo acorda cedo.
Não temos galo, mas o dever das obrigações atribuídas faz-nos despertar. Para além da higiene pessoal, há que manter asseado o palacete porque aos domingos é dia de visitas especiais.
De Salvaterra, Lagos, Trancoso ou até de Freixo de Espada à Cinta, vêm “peregrinos” aos molhos de cansativa viagem. O objectivo, claro, é estar um pouco com a sua “dor de cabeça”. O seu menino que pensavam d’oiro.

Recatado a um canto me figuro, tal mestre de cerimónia, onde por vezes me atraiçoa um nó apertado na garganta, que nem sequer é da gravata, ao presenciar quadros de família que ouso aqui e agora divulgar. Não é fácil ficar insensível à dor de dois velhotes, entre vários outros pais, que marcam presença todos os domingos vindos de longe. Gente pobre, mas de alma nobre, que apenas o seu olhar perdido os trai quando olhamos um pouco mais para eles. E ao vê-los, por vezes dá-me ganas de ir dar dois estalos àquele filho-da-puta que está preso e atirar-lhe um “Porque é que fizeste aquela merda?”.

Parecendo paradoxal, um domingo vivido nestas paredes que nos cercam, é um misto de festa e de tristeza. Um dia que marca a diferença entre a apoteose de perceber que se está preso e a outra: a angústia tardia do arrependimento. Por muitas e sábias palavras que nos dirija o padre F. que acompanha os mais traumatizados, o dia seguinte é de reflexão e silêncio.
Ainda pesam na consciência os tumultos e destinos destas vidas que se cruzam. Inexplicavelmente sem sentido.

Mas é só hoje e amanhã. Depois, tudo voltará à confrangedora normalidade.

Para acabar à TheOldMan, o foisimbora, damos música a esta vida que não se deseja aos que nos visitam caiam nela.
O "Hotel" tá cheio!


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sábado, agosto 12, 2006

Um caso de sucesso


Foto Público

Este gajo é de facto um tipo com sorte. Depois de ter passado as passas do Algarve, fez-se à vida com determinação e algumas ajudas à mistura. Diz quem o conhece bem, que um dia esteve quase à beirinha de se tornar marginal.
“Se não fossem algumas pessoas do meio desportivo, há muito que estava arrecadado”, diz a nossa fonte. “Não tinha perfil para brincar de polícias e ladrões”, termina, regozijando-se pelo facto de se ter perdido mais um colega. (rs)

De facto, Francis teve sorte. Dormiu em jardins públicos, andou perdido, passou fome até ter encontrado cama e mesa sob as bancadas do Estádio do Restelo. Depois de ter experimentado acartar baldes de argamassa nas obras no Algarve, treinava apenas quando chegavam os professores de atletismo. Fausto foi um dos seus melhores amigos.

O que o teria salvo das garras da droga e da desgraçada vida que levava?
Outro elemento que com ele privou de perto, assegura que a resposta se deve a uma enorme determinação que o seu coração de menino suportava com igual dor.
Hoje, e vendo e relendo o trilho do seu passado, é o que se vê.
A malta deste palacete onde se vê o sol aos quadrados, meio-selvagem e pouco dada a pieguices, nutre um especial carinho por ele.

terça-feira, agosto 08, 2006

Pulseira electrónica



Nunca fui rapaz de apreciar pulseiras. Acho que me estorvavam os movimentos.
Que me lembre apenas usei três: uma de prata, com nome gravado e tudo, oferecida por uma namorada que julgava ter algum futuro na minha companhia. As outras duas precisamente na altura em que fui preso. Também pareciam de prata, mas após algumas horas de tê-las nos meus pulsos, verifiquei que era do mais reles pechisbeque made in Spain.

Provavelmente, vou ter que usar mais uma em 2008.
A minha dúvida (e sempre fui um gajo com muitas dúvidas) é se vou escolher Diadema, Diamond Mine, ou qualquer novo criador em Gondomar.

Sugestões?

segunda-feira, agosto 07, 2006

Caso Gisberta



Data do dia 1 de Agosto a sentença do TMFP que condenou os treze menores envolvidos nos maus-tratos, e consequente morte do transsexual brasileiro Gisberto Salce Júnior, de 46 anos, a penas de onze a treze meses de internamento em centro educativo.
Pouco? Muito? Será salomónica a pena?

Vejamos.
Crimes hediondos, maus-tratos, , droga, armas, perturbações da ordem, assaltos, corrupção, etc., em sociedades que demoram a desenvolver-se acabarão sempre por suceder em maior escala do que em outras, onde a educação é diferente e o cultivo e respeito pela vida tem outro valor. Portugal terá que estar em qualquer lista ou estudo que trate do assunto na pior metade da tabela. E para agravar o imbróglio, recorro-me da frase de um jornalista do Expresso: "Portugal é um país com muitos países dentro".


Mas a grande questão de causa/efeito que reside nestes rapazes, sem sombra de dúvida, é o índice de pobreza em que foram criados e os "maus exemplos" que a sociedade moderna e livre proporciona, quer aos fortes, quer aos, fracos. Coisas que os delinquentes juvenis gostam de imitar ou, até, inventar. E por sinal, temos por aqui umas dezenas largas que a viveram, passam por isso, e sabem o que é.


Outro sinal dos tempos, é o molde educativo. Não sei se alguém se recorda que a maior parte dos filhos de famílias pobres e numerosas em tempos que já lá vão, eram educados ao cinto, à chapada e ao tareão. E quantos viraram bandidos? Não quer isto dizer que defenda, ou que a partir de agora vai tudo à paulada e ao pontapé. Nada disso. Simples constatação apenas.
Outro pormenor que não me escapa, é não vislumbrar ou conhecer nestes corredores com celas ajustadas, casapianos do “antigamente” ou de qualquer outro estabelecimento da chamada “titoria”.

Para além disso, confiando na palavra dos cretinos que enveredaram pelo vasto mundo do crime, e que por acaso se tornaram meus amigos neste espaço, a violência atingiu hoje em dia elevados graus de gratuitidade e leveza. No tempo deles, dizem, só a usavam se se sentissem apertados.

De qualquer modo, nada do que está escrito atrás é uma certeza. No entanto fica o desabafo. Pois quem seremos nós para ajuizar de penas leves quando as pesadas que são nossas já nos tiram por vezes sem conta, o sono que os justos deviam ter.


Certo, certo, é que o/a Gis foi p’rá sucata!

sábado, agosto 05, 2006

Herói ou tirano?



Nós, os “Filhos da Revolução”, temos alguma dificuldade em entender o que se passa. Primeiro porque somos burros que nem dois portais de igreja. Segundo, porque nunca atingimos o grau de absorção estudiosa desta rapaziada que anda nos blogues, e fomos “educados” ao sabor do Tejo, nas ruas para aprender contra os canhões marchar.
Uma coisa é certa: sempre nos foi dado respeitar a Revolução Cubana (e alguns até iam mais longe ao ponto de a idolatrar).

Depois de termos lido algumas opiniões por ilustres oradores do nosso mercado, as opiniões emitidas entre os muros deste palacete, não ganham consenso e não se tem, propriamente, um conceito comparado com os tiranos da Roma antiga.

Sabemos, porque a História assim nos conta, que Hitler e Genghis Khan (Temudjin para os amigos) foram dos mais sanguinários. Pelos mesmos motivos, temos razão para crer que Stalin, Franco, Mussolini, Pinochet ou Kim Jong-il, também estarão na lista.
Resta-nos saber se Salazar faz juz ao epíteto, tal como alguns déspotas esclarecidos que li algures; Frederico II da Prússia, Catarina II ou o próprio Marquês de Pombal.

Todos eles usufruíam de poderes e mordomias que sonegavam aos seus próprios conterrâneos. Muito deles mataram, ou mandaram fazê-lo aos seus acólitos.
Seriam tiranos Emiliano Zapata ou Pancho Vila? E mais Perón ou Manuel Marulanda? Che Guevara? Zé do Telhado ou Robin Hood? Serão tiranos George W. Bush, Tony Blair, Ehud Olmert ou Hassan Nasrallah?

É que a nossa maior dúvida continua a ser a tirania. Seja ela de esquerda ou de direita ou dos lados. Sim, porque os heróis sabemos de antemão onde os encontrar: ou no cemitério, ou a cumprir pena aqui ao pé da gente.

Bom fim-de-semana!

quarta-feira, agosto 02, 2006

O trabalho liberta




Não fui à tomada de posse do novo director-geral dos Serviços Prisionais.
Para além da actividade que me estava destinada para o dia de ontem, também não tinha fato à altura do evento e, provavelmente, não me deixariam sair àquela hora. Ainda mais, era o meu dia de não desfazer a barba e dava o Benfica na televisão.
No entanto, fiquei agradavelmente satisfeito de estarem a olhar para nós.
Quer saber porquê? Então clique aqui, s.f.f..

Também é giro desmistificar que não somos apenas os bandidos, assassinos cruéis ou carniceiros que a sociedade castiga, por dentro desta globalidade de residentes permanentes, oriundos da Cova da Moura, do 2 de Maio, Musgueira, Curraleira e outros bairros problemáticos.
Alterando um pouco o fenómeno da imitação e outras tendências que levam os mais jovens a adulterar o comportamento, como recentemente referiu o JN, existe um lado canhoto em muitos de nós que é capaz de surpreender muito boa gente.

Exemplos?
O China adora poesia (Florbela e Pessoa). O nosso fiel jardineiro tem um encanto natural por rosas, gardénias e orquídeas, e o tal preto de 120 quilos não passa um dia que não oiça acústica musical afro-qualquer-coisa onde o djembê é prato do dia. Isto sem falar do Três tiros (Ópera), do “Arrebenta” (Teatro), ou eu próprio que me apaixono facilmente da literatura pelos clássicos portugueses.
A propósito, hoje temos um tema, cedido gentilmente por um leitor atento a este blogue, que nos proporcionou ouvir João Villaret ainda sobre a morte daquelas crianças em Qana.


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É caso p’ra dizer; quem me ouvir (ler) não me leva preso (rs).