sexta-feira, junho 30, 2006

Finalidades

Poucas são as vezes por ano que o fim-de-semana coincide com o acabar do mês.
É bom para aqueles que vão de visita precária (a família faz refeições melhoradas e dá p’ra comprar mais um macito de tabaco), o simples adepto de futebol tem já onde gastar mais algum a ver o Portugal-Inglaterra, e há muito boa gente que meteu férias à espera de relaxar sob o sol algarvio.
Melhor que isto, só o subsídio de Natal. Ou o Euromilhões, claro.

Boas finalidades a todos, se for o caso.

quarta-feira, junho 28, 2006

Andam faunos pelos bosques

"O governo vai colocar reclusos a limpar e vigiar as florestas portuguesas."

Sabemos de fonte segura que em vários países do Norte da Europa as pessoas que cumprem penas aplicadas por crimes ligeiros realizam serviço cívico. Desde a distribuição de produtos essenciais a cargas e descargas em aeroportos, cais de embarque marítimos ou ferroviários, e até mesmo na agricultura.

Aqui também já se utilizam algumas “aberturas” para aqueles que merecem a confiança dos Serviços.
Sabendo nós destas notícias, quem diz florestas diz praias. Campos, ruas e outros pequenos trabalhos.
Pode ser um pequeno começo na modernidade do país que, tudo leva a crer, nos pode abranger.

Um próximo passo poderia ser o acesso ao novo projecto de emprego que o governo lançou on-line (www.netemprego.gov.pt), à semelhança do que já existia no IEFP (http://www.iefp.pt/), mas que rebentou pelas costuras logo ao primeiro impacto. (rs)
Seria uma excelente perspectiva para os que se querem reintegrar rapidamente.

No entanto, as opiniões dividem-se nas conversas que vamos tendo. Como irão encarar as Associações da Federação dos Produtores Florestais (por muita vontade que tenha Ricardo Machado, o seu presidente), ou os empregadores (os que podem realmente fazer alguma coisa) a pergunta secular: querem Cristo ou Barrabás?

Se me derem chance, eu alinho! Mesmo correndo o risco de ser corrido à pedrada.

"Camisola 10"

Ao ouvir hoje Fernando Alves na sua crónica diária na TSF, pensei egoisticamente estar ali uma das minhas almas gémeas.
Aquela “Camisola 10” vejo-a todos os dias. Não no sorriso da criança de quem fala, a brincar com prédios e com degraus, mas nos Yuris, nos Mohamads, nos Silvas e nos Pablos com que me cruzo quase a toda a hora.

À semelhança dos silêncios que estes muros albergam, também estes “camisola 10” condicionam e compactam, no calar da sua própria alma, vergonhas e glórias que só os presos conseguem suportar. Leva tempo a percebê-los. Quase impossível ver as bandeiras desfraldadas nas suais imaginárias janelas sem caixilhos.

Pior que a pena por cumprir, é romper com um passado triste, viver um presente demasiadamente moribundo ou acreditar num futuro repleto de incertezas.

terça-feira, junho 27, 2006

Pedido entregue

Sr. Director:

Vimos por este meio pedir que seja anulada a prescrição acordada aquando do início da feitura deste espaço que V. Ex.ª disponibilizou e nos seja permitido responder e/ou comentar os blogues dos nossos distintos e ilustres visitantes.

Aguardamos deferimento.

Atentamente,

José P. Amaral (recluso n.º ...)

Lisboa, 26 de Junho de 2006

segunda-feira, junho 26, 2006

O Julgamento em Nuremberg



Goering, Hess, Ribbentrop, Keitel, Donitz, von Schirach, são nomes que os mais velhos ou sabichões sabem de cor.
Valentin Ivanov, não. Mas também ficará na História. Efémera, é certo, mas fica.

as reacções, já a seguir...

Atrasadas, concorda-se, mas não temos todos o mesmo horário.
Só para que conste.

Joseph Blatter say:


Fernando Alves say:


Entretanto, vamos assistindo ao diálogo entre o Paulo (Bloguitica) e o Daniel (Arrastão) - que por aqui se resolvia logo ao estalo - tranquilamente. Só falta entrar o maradona (a causa foi modificada).
Esse mesmo. Que arreia em tudo e em todos no DN, e poderia estar aqui alguns fins-de-semana ao pé de nós.
Euforia e sardinhada não faltaria, garanto eu.

(tal e qual como o penalty que qualificou a Itália para os quartos-de-final e como é que a FIFA vai descalçar mais uma bota)

domingo, junho 25, 2006

Esparsos (2)

"Numa cela, como em qualquer quarto ou cama onde alguém se possa deitar, os pensamentos invisíveis flúem ao longo duma noite de insónia dramática. Talvez o ruído daquele silêncio que ninguém ouve me leve longe. Tão longe como os jardins onde brincámos em criança. Tão longe das pessoas que nos deixaram espaços vincados na memória, e mais longe ainda da sua presença física.
Onde apenas as flores que jazem ao pé da campa as faz lembrar.

"China", vinte e nove anos, condenado a cinco.

sábado, junho 24, 2006

Causa justa



"À janela uma bandeira, no relvado uma nação inteira!"

Pelas revistas e jornais que nos tem chegado, pelas imagens que nos são dadas ver, Portugal tem um povo que se diferencia quando toca a falar de, ou a, jogar à bola. Acho isso absolutamente normal, já que somos um povo envelhecido em cascos, não de carvalho, mas da vida de escolhos e calhaus que a maior parte viveu durante várias décadas, senão mesmo durante toda a nossa história.
Mesmo na época dos Descobrimentos ou quando se roubava a torto e a direito o Brasil e as ex-colónias.

Como já demonstrei, não sou letrado mas tento não ser burro. Tenho apenas alguns conhecimentos sociológicos que absorvi ao ler tudo o que aparece pela frente, e sei portar-me como um cavalheiro se preciso for. No entanto, a puta da bola dá cabo de todas as estatísticas. Até as dos emigrantes. (nós também o somos, mesmo estando dentro)

Uma bola a rolar onde entrar Portugal e… lá se vai a preocupação do “alemão” de amealhar uns tostanitos.
Um golo do Ronaldo leva o “suíço” a nem sequer trazer relógio, para nem olhar para as horas de se deitar, em convívio que está com todos aqueles conterrâneos que lhe apareceram lá na estranja onde labuta.
Uma vitória dos “tugas” e logo faz esquecer os meses ou anos que temos que cumprir. Esses filhos da puta.
Mas todas estas manifestações de regozijo também acontecem com os “franciús”, com os “brasileiros”, “australianos”, ou em qualquer lugar do mundo onde haja um português.

Não sou amante de Portugal só porque ganha a Selecção. Gosto de ser português porque acho que tenho isso enraizado no sangue, mais todas as tradicionais manifestações que fazem parte da cultura portuguesa e deste povo a quem já roubei. Tenho apenas um senão: ainda não ter compreendido como pude ser tão irresponsável para vir parar a este sítio.
Pode ser que o encontro das oitavas, como diz a Lili Caneças, me façam abrir os olhos para poder dar um murro nos cornos a mim próprio.

Enquanto isso, despeço-me dos mexicanos que se lixaram.



Powered by Castpost

sexta-feira, junho 23, 2006

Soube a pouco

Já vi que os blogues também podem ser um jogo, mas esconder imperfeições no contra-ataque é contraditório. A sociedade também nos condena com isso: por serem raras as pessoas que vão até ao fim nas suas convicções, por não cumprir-mos calendários e agendas, compromissos, ou que falhemos golos quando estamos próximos da zona da grande área de onde se pode disparar, como diz Gabriel Alves. Se isso não se concretizar estamos tramados e sabe a pouco.

E como estamos a tentar entender o futebol e a blogosfera, garanto que a experiência que os próprios presos que não me largam a braguilha sobre o assunto, possuem quase nunca o sentimento de não nos sentirmos inferiores a quase nada que nos invada. Estudamos os gajos até onde podemos, e conforme os tipos reajam assim será a estética os ângulos e a táctica como podemos resolver as coisas que passam mais de perto nos esconderijos onde nos refutamos. Nos mexicanos, estava bem de ver que eram favas contadas e o chili saiu-lhes pela culatra. Pena os Palancas não terem aproveitado.

Um dia destes, quase por acaso, foi nos dado conhecer a face rechonchuda do Pedro, a problemática do Rui e o espírito nobre do Viegas, num programa dum canal que lá não relembro. É que tudo o que tenha a ver com livros, normalmente nunca perco.
No entanto, ficaram atravessadas na garganta coisas simples que não foram convenientemente tratadas.
Mas gostei de os ver ao vivo. E em directo, suponho.

Dioptrias



Alguns problemas sem importância de maior originaram que não víssemos dois dos últimos jogos do Mundial. Sanados que foram, já mais ninguém nos engana.
Para não ficarmos de olhos em bico, o "núcleo duro", agora, vê-os aqui.

Para quem está preso no trabalho também dá jeito. Digo eu.

segunda-feira, junho 19, 2006

Vida segura

Provavelmente não foi sempre assim, mas continuo a crer que o lugar mais seguro para se viver é numa prisão.

Se se analisar a qualidade de vida que cada um de nós tem, chega-se à conclusão que estarei a falar a sério. Sublinhe-se a questão da segurança, por exemplo. Para alguém se chegar a nós, para além de vários obstáculos em aço e detectáveis sofisticados aparelhos de ameaça, tem que passar por todo um exército de homens que nos protegem (um dia hei-de falar deles).
Sobre saúde, e é só mais um exemplo, uma simples indisposição, dor de cabeça ou qualquer ferimento ocasional, é tratado na hora sem se ter que estar em lista de espera como nas urgências de qualquer hospital que se preze.

Seguindo o raciocínio em banda larga, um estabelecimento prisional é o único sítio do mundo onde não se morre por atropelamento. Nem por assalto à mão armada. Paradoxo, não é?
Sobre as preocupações económicas de cada família que vive em liberdade, acho que estamos conversados pelas razões óbvias que ressaltam do facto de não estarmos abrangidos aos controlos dos senhores do fisco por não nos atribuírem ordenado. Temos as refeições a horas certas e não nos preocupa o dia de amanhã dando-nos ao luxo de nem sequer pensar em estar na moda.

Mas como dizia Fulano de Tal (Machado de Assis), “Matamos o tempo; o tempo nos enterra”.

sábado, junho 17, 2006

A gente tá na jogada



A imprensa que trata de nos informar sobre o Mundial de Futebol já nos aborrece. Os resultados também.
Ainda assim, fomos auscultar aqueles gajos que só acordam à mocada. O favorito é sempre o “number one”!

- Tá cum probleminha, minino! Quer cumprir pena de Goianima, ou vai cobrar de Robinho em vez de Ronaldo?
Nem deu p’ra entender se tava inclinado p'ra dizer que a feijoada tava pronta, ou se tava na hora de uma de asseado depois de lhe enfiarmos um lençol com o nome do Kaká escrevinhado no sítio dos olhinhos.

Na cela seguinte é melhor soltar os cães:
- Afar… Afar… tás fodido, man. Karimi e Ali deram de frosques, meu. Angola empatou e se perderes amanhã, assamos-te.
(comentário do Palanca Negra, o tal dos cento e trinta quilos, com as mais maravilhosas mentiras até à data neste cacifo onde nos apertamos sem sermos perniciosos) O gajo acordou assustado.

Olhando um pouco de soslaio o Grupo da Morte, renitentes, fomos ter com JotaKapa. Um Sérvio, que não é escravo, e Montenegro, que apenas o sol do Algarve o fazia assim supôr. Cela 300 e tantos, que tanto podia ser chamado por ov ou ic, se a guerra (e outras coisas) não tivessem desviado o seu patriotismo desportivo.
- O teu slava hoje não te ajudou, JK. Mas a gente faz assim: antes dos gajos irem p’ra casa, dançamos o kolo amanhã quando Portugal foder os "ai a tolas", tá?
- Como é que ficou? – perguntou inocente.
- Levaste seis no cu!

Tivemos que nos retirar rápido, e estrategicamente. Antes que os guardas-prisionais soubessem de tal constrangimento e mau-humor, e eu tivesse a oportunidade de dar as boas-noites a outros tantos que não perdem pela demora.

quinta-feira, junho 15, 2006

Goodfellas

Por outro lado, nas outras alas, a maioria da população reclusa funcionam praticamente da mesma forma. Mais de seiscentas almas cumprem o castigo imposto, mas a disposição não será igual. Em cada esgar facial sente-se que há uma história por contar. Parece transparecer daqueles olhares que nos medem de alto a baixo, uma prova que não foi apresentada em sua defesa e há toda uma estrutura pessoal seriamente abalada.

Não quero dizer com isto que nos estamos a ilibar. Muito menos pretendo branquear qualquer um deles, mesmo que em casos pontuais houvesse estórias muito mal contadas em tribunal. Desde negligência da defesa à horrível burocracia judicial que só atrasa e atrapalha. Mas talvez seja verdade que a própria sociedade com todos os seus defeitos e virtudes é quem produz os cidadãos que temos.

A maior parte, como aliás já referi num dos posts abaixo, são originários de parentes pobres. Sem a escolaridade que se impunha e mão-de-obra não qualificada e sem oportunidades relevantes. O ambiente familiar também não foi famoso; alcoolismo, violência, droga, desemprego. Tudo a ajudar...

Como dizia o Padre Américo, “não há rapazes maus”. E para mim continuam a ser tudo bons rapazes até prova em contrário.


Bom fim-de-semana prolongado a quem passar por aqui. Aos outros também, claro.

Sugestão: Quem estiver para os lados de Matosinhos informe-se sobre a peça de teatro "Encíclica Geração" representada pelo Grupo de Teatro dos Reclusos de Santa Cruz do Bispo.

quarta-feira, junho 14, 2006

Crime, disse ele

“O homem livre não age nunca com fraude, mas sempre de boa-fé.”

Baruch de Espinoza


É natural que à volta deste espaço se sinta alguma curiosidade sobre o que leva um presidiário a entrar em contacto com o mundo exterior através do sistema blogspot. Nada de mais. Tal como faço nas actividades da prisão, procuro preencher o tempo tentando de alguma forma não perder o comboio da actualidade.
Além disso, como recluso um pouco privilegiado derivado à postura com que me movimento na vida prisional, é também uma forma de interligar, e canalizar, os interesses dos companheiros que repartem comigo as suas próprias penas.

Por isso, a gravidade dos crimes cometidos condiciona determinadas liberdades na vida prisional como já deu para perceber. Tirando o facto de estar limitado nas informações que transmito (por razões de segurança interna) grande parte dos reclusos da minha ala trabalha. Temos oficinas e bons profissionais. Gente com jeito para o futebol (já ganhámos ao Benfica) e óptimos actores.
Parecendo intrigante há gente notória, e muito acima da mediania do homem comum, que teve azar. Homens letrados que expiam as suas culpas tentando, de muitas e variadas formas, recuperar a dignidade perdida. Muitos deles escrevem também os seus segredos muito melhor do que eu, diga-se de passagem. Mas são fechados como as portas metálicas do interior. É um direito que lhes assiste, e tenho pena de o não poder divulgar aqui.

Resumindo: neste núcleo duro onde se pretende aperfeiçoar o nosso lado mais humano, somos pessoas normais que estão a pagar uma dívida à sociedade por um percalço que qualquer um pode estar sujeito. As feras, essas, como diz Pessanha, estarão irremediavelmente perdidas. Para pena minha.

terça-feira, junho 13, 2006

Eu sabia...

que um dia tinha de acontecer.

Sabemos do feedback dos bloggers que nos visitam virtualmente, graças ao Weboscope que o nosso “Cérebro” colocou no sistema deste blogue, e podemos detectar, e retribuir, tais auscultações.
Para além dos interesses particulares do nosso núcleo duro (o tal matulão preto com mais de cento trinta quilos incluído), do mundial de futebol, das palavras de incentivo dos nossos simpáticos comentaristas e outras coisas que vamos descobrindo por aí, há um blogue que já marcou a diferença (se é que possa existir) por celas indeterminadas da nossa ala: o blogue da Sra. Carla Quevedo.
Não por ser especial ou diferenciada dos restantes bloggers que também gostamos de ler. Nada disso. É que a senhora em questão “mexeu” com toda esta malta ressabiada e agora toda a gente quer saber como é que ela acorda.
Ainda por cima nos mencionou nos destaques dela e até já tive que requisitar mais tinteiros para imprimir todos os acordares que já figuram nos cacifos destes gajos.
Como se diz na gíria, estou f…

Mesmo assim, o meu agradecimento.

segunda-feira, junho 12, 2006

Portugal - Angola

“… se o espírito do homem não viver por grandes causas, o seu corpo pode morrer em qualquer dia.”

João-Maria Vilanova


Escrever sobre prisioneiros de guerra, sobre prisioneiros políticos ou sobre presidiários, é muito difícil. Um tema que poucos abordam nos blogues portugueses pela dificuldade de entender os seus próprios motivos e as consequências que os levaram a tal estado.
Escrever sobre emoções e causas ainda é mais.

No meu fim-de-semana de concessão de liberdade precária, passear pela minha cidade, ainda assim, fez-me bem. Ao rever as ruas, os becos e as avenidas da minha infância, congratulei-me. Tive a sorte de assistir à união de dois povos que labutam no dia-a-dia da cidade por uma causa com emoções que só o futebol pode aproximar numa esquina onde haja um televisor ligado numa loja de consumo. E libertei-me um pouco dos fantasmas da vida que se leva por estas bandas, reflectindo. Muito. De tal forma, que regressei mais cedo do que a hora prevista.

Depois de rever a família, os amigos, os lugares sagrados da minha penitência, dei comigo numa de Rodin: meditar. Meditar apenas sobre o filme da minha própria vida e os resultados que obtive. Quase nada.
Pode perder-se várias amizades – o que muito custa – por se ter sido considerado culpado na pena à qual se estará ligado por mais uns tempos. Pode perder-se o desenvolvimento e o progresso dos novos embriões na casa de família e, pode perder-se, sobretudo, a forma de como antes nos víamos ao espelho. No entanto, nunca se poderá perder a dignidade de defender tudo aquilo em que se acredita. A amizade é uma delas, e um valor acrescentado onde (ainda) não se paga imposto.

E nesta multiracialidade, que também se vive aqui, perder a companhia dos amigos Palancas Negras que cá tenho seria uma desfaçatez nas emoções que se vive em cada vinte e quatro horas que vivemos juntos. Por isso, regressei mais cedo. Para podermos estarmos unidos num dia histórico.

Só para que conste. Porque o resultado do jogo nunca fez diferença.

Fiquem bem!

sexta-feira, junho 09, 2006

Regime Aberto

“O contacto dos reclusos com o mundo exterior tem-se revelado fundamental. Quer como meio mais propício ao restabelecimento de forma geral e progressiva das relações com a sociedade, quer como forma de atenuar as consequências nocivas de longos períodos de privação de liberdade.”

Princípio que regulamenta o Decreto-Lei nº 265/79 de 1 de Agosto


"Na cadeia os bandidos presos!
O seu ar de contemplativos.
Que é das feras de olhos acesos?"

Camilo Pessanha in Clepsidra


Para se ter uma ideia de como é verdade a consagração do decreto, e privado que se está de muita coisa, a melhor terapia para uma mais rápida reinserção social é o facto de nos sentirmos úteis. É como refere o subtítulo do blogue: ninguém nasce com cadastro. Muito menos com a estratégia definida de que vamos ser uns bandidos toda a vida.

Como se pode calcular, a esmagadora maioria dos reclusos são oriundos de zonas pobres e com um grau de instrução diminuto, e eu não fujo à regra. Os que são doutores, ou de posses mais vantajosas, não aquecem o lugar. Mas isso é outra história.
Porém, existe a oportunidade de demonstrar que para além de sermos pecadores confessos aos olhos da lei, somos humanos. Com as diferenças que todos nós temos em carácter e personalidade.

Pergunta Pessanha que é feito das feras de olhos acesos?
Estão por aqui cativos, adiantarei eu plagiando o outro verso. Abertos a uma nova ideia de comportamento na esperança de refazer toda uma vida, demonstrando sermos capazes de ter direito a uma segunda chance.

quinta-feira, junho 08, 2006

Agradecimento

É engraçado como o entretenimento (conhecimento, sabedoria, diga-se o que se quiser) que os blogues nos permitem usufruir e desfrutar, é um mundo fantástico e fascinante.
Neste país real de senhores engenheiros e agrónomos, curandeiros de maleitas seculares, salvam-se, e salvam-nos, estes espaços virtuais da candonga literária e poética. De técnicas e vertentes sociais que ultrapassam, em tempo e espaço, a realidade dos nossos dias.
Mais divertido ainda, é o pormenor adjacente que cada um emprega nos ritmos e compassos com que influenciam, relatam, o sintético que nunca é fácil. O delito de pensar sozinho. O controlo absoluto das palavras rasgadas e abertas dessas gaiolas sem as grades aramadas.

Ainda em fase de descoberta, garantimos já um núcleo duro à volta desta máquina que nos abre janelas de vários mundos. De cores pintadas ainda frescas, onde cada um de nós se senta e refugia.
- Tens de descobrir blogues de gajas! – ameaça em tom jocoso o “Molhóbico”.
Outros muitos, aproveitam ao máximo a descoberta de tornar possível uma vontade perdida de aprender. Nas duas horas que temos livres, a impressora não pára de luzir. Fazem cadernos, e ocupam-se em leituras várias, estes delinquentes a quem a sorte foi madrasta. Parecendo um paradoxo, estes rufias mal-encarados sensibilizaram-se ao detectar que até crianças com blogues nos visitam. Professores e jornalistas. Gente que ao jantar vemos na televisão.
Pena o impossível de abranger tudo, mas está a ser positiva a experiência.
O nosso obrigado a todos.

quarta-feira, junho 07, 2006

Anda preso na costa



Por acaso, quando da feitura deste blogue enclausurado, tínhamos um leve conhecimento da decisão governamental que hoje faz manchete em alguma imprensa portuguesa: o fecho de vários presídios.
O ministro Alberto Costa anunciou ontem, no dia da Besta, que vai encerrar pelo menos 22. Número que nos parece exagerado já que as estatísticas confirmam um ligeiro aumento da criminalidade precisamente nos locais anunciados para tal.
Não é que alguém goste de andar com a trouxa às costas, mas umas mudançazinhas de quando em vez até que pode ser apetecível.

De qualquer forma, precavidos como sempre estamos e contando com o nosso Décorateur Virtuel, iniciamos já as nossas preferências no que diz respeito aos pequenos ajustes das celas e outros locais do nosso culto. Vejamos.

O primeiro impacto é deveras importante


a apresentação geral também


mas depois, claro está, a sala de jantar


e a WC privada, são prioridades


O ministro que não se inquiete porque para além de podermos ser uns grandes filhos-da-puta, a mão-de-obra fica por nossa conta. Gratuitamente.

Sem esquecer os convidados de "última hora" para os sempre indispensáveis interrogatórios.


Mário Machado será, porventura, o primeiro a estrear tal mordomia. Bastará começar a andar nos tiros aos pretos, aos brasileros, chineses, ucranianos e afins, que possam ter na ideia de que Portugal é o país das maravilhas. Aqui, só a Alice é dispensável.

terça-feira, junho 06, 2006

Dia da Besta...

ou melhor, dia de muito boa gente.
Sabemos ingloriamente que é um dos epítetos que não nos favorece o retrato. Talvez por sermos uma arma de arremesso com a aparência duma espingarda que projecta flechas. No lado oposto, poderíamos acantonar-nos na Besta Humana de Zola, onde o papel de Jacques nos ficava melhor entre o percurso da obra (Le Havre-Paris) na companhia de toda uma multidão sem rosto.

“Aquele gajo é uma besta”, quase toda a gente ouviu e muitos de nós já o dissemos. Mas tal como os homens, as bestas não se medem aos palmos. Há bestas bestiais e outros que passam de bestiais a outras coisas bem piores em menos de três tempos. Um dos Tentáculos de Electra que fica mais ao nosso alcance.

Em tempos idos houve realmente bestas humanas, como Eichmann ou Mengele (só para exemplo), que poderiam ser retratadas na análise do cientista humanitário Albert Schweitzer, "quem quer que tenha se acostumado a desvalorizar qualquer forma de vida corre o risco de considerar que vidas humanas também não têm importância". Mas as bestas dos tempos modernos são mais do tipo Jeffrey Dahmer que nos conquistam com um sorriso.

Entretanto já se passou a hora crítica (06h.06m.06s) deste dia 6 do mês 6 no ano de 2006. Não dei por nada que anormal se tivesse passado entre estas celas. Mas nunca é demais estarmos alerta porque as bestas não têm hora de se expor. É o que se poderá estar a pensar neste preciso momento em Barcelos.


Powered by Castpost

segunda-feira, junho 05, 2006

Quanto (vos) custo?

Ao câmbio actual não valerei muito. Mesmo que Rodrigues, que também é Conde e secretário de Estado da Justiça que podemos ter, nos fortaleça o orçamento. Precisamente o mesmo Orçamento e o mesmo Estado que gasta 16,2 milhões de euros/ano a tentar recuperar jovens entre os 12 e 16 anos que se encontram numa dúzia de centros da Reinserção Social (CM) e dos quais, grande parte, vem aqui parar porque de nada lhes valeu.

Bush vale mais; tem um ordenado mensal com cinco dígitos e é parte responsável pelo número de mortos que alguma vez, nós por aqui todos juntos, nunca conseguiríamos matar. Uma das diferenças, é que ele o faz com toda a gama Flight e eu apenas o poderia tentar com um F-16 que vai ser, ainda por cima, alienado. A outra, é que ele defende potenciais energéticos, naturais, grupos económicos fortes e sabe muito bem o que faz. Nós, pelo contrário, nunca o soubemos fazer e os cúmplices foram sempre fracos.

Para ser franco, não tenho que me preocupar com essas coisas devido ao facto de estar impedido de me manter lá fora. Mas já prometi! Para que a responsabilidade da sobrecarga no erário público não seja minha, começo a fazer dieta.
E se os satanistas (que não seguidores de Pedro) tiverem alguma razão, amanhã, no Dia da Besta, libertar-me-ei de vez de vos dever mais alguma coisa.


"E fez que a todos, pequenos e grandes, ricos e pobres, livres e escravos, lhes fosse posto um sinal na mão direita, ou na fronte, para que ninguém pudesse comprar ou vender, senão aquele que tivesse o sinal, ou o nome da besta, ou o número do seu próprio nome."

(Apocalipse 13:16-18)

sexta-feira, junho 02, 2006

Patriotismo

José Carlos Freitas, um não recluso, fez publicar num jornal desportivo a que temos acesso que um luxemburguês comum (mas não perfeito) não gosta muito de nós, portugas. Adiante, refere ainda, era um país que há 25-30 anos atrás colocava cartazes em restaurantes e outros lugares públicos a dizer: “PROÍBIDA A ENTRADA A CÃES E EMIGRANTES PORTUGUESES”.
Não que me incomode o “muito” nos dias d’hoje, tal dislate. Mas nos anos atrás referidos, era provável que não me importasse de cumprir mais uma pena por ter dado um tiro nos cornos ao(s) autor(es) de tal diatribe.

Tudo isto vem a propósito do mundial de futebol, que se prepara a passos largos, e onde a selecção nacional vai disputar mais um jogo de preparação. Precisamente contra o Luxemburgo.
Tentando aglutinar as atenções de uma perspectiva com validade a quem nos lê, devo confessar que nós, os reclusos de alma sombria e já perdida, ainda vamos dando algum colorido à vida que nos austera.
Possuídos de um patriotismo mórbido – já que não podemos fazer nada quanto a isso – por aqui também mantemos as bandeiras ao léu nas nossas celas e um nó na garganta quando ouvimos o hino nacional.
É que para além de assassinos natos, vigaristas, assaltantes e outras estirpes sociais de transgressão radical à lei, ainda somos (ou também somos) patriotas.

Daí, apetecer-me apelar aqui que, se nos quisessem dar uma oportunidade para redimir os nossos próprios pecados, teríamos recursos humanos suficientes para resolver a crise interna de Timor. Ou a criminalidade infantil nas escolas deste país e fazer cumprir promessas. Mesmo as eleitorais. Ou ainda, como dizia um ex-colega que já cá esteve, ajudar na inclusão dos mais desfavorecidos na acção primordial pretendida pelo Presidente da República.

Mais. Podiam contar com alguns de nós para apoiar o dia do cão ou, na melhor das hipóteses, aproveitar uns quantos braços na prevenção aos fogos que se aproximam com a chegada do calor e demais reduções orçamentais.
Nem que fosse a tiro!
Mas o mais importante seria ajudar na reconstrução da Casa Azul para os filhos das detidas em Tires.

Estou a brincar. Mas como a minha ala já foi praticamente toda de visita precária, apeteceu-me descarregar o azedume de quem cá fica.
Um bom fim-de-semana a todos porque o meu, estragado fica sempre.

Próximo tema: “Quanto (vos) custa um presidiário?” Ou então, alguma novidade que eles me tragam lá de fora.


ps – Tivemos uma abertura fantástica ao fim da tarde: podemos receber mensagens para responder às questões que alguém queira colocar. De princípio, não prometemos responder a todas. Mas hei-de dar a volta ao nosso “guru” para abrir mais algumas excepções. A vida não tá fácil, meus! Nem aqui, nem aí. Presumo eu.
Então vá: osolaosquadradinhos@gmail.com

Perez "El Tigre"

Há blogues que nos deixam pensativos com o baptismo com que se editaram à nascença e vão ao encontro do muito que se desconhece do género humano. O nome d'"A Memória Inventada" é um deles.

A memória faz lembrar toda uma vida recheada de retratos que, sem explicar, guardamos. E a invenção, a ela dada, faz sentido. É como se de repente uma luz que, muitos dizem terem visto às portas da morte antes de regressar à vida, justificasse poder voltar atrás. Retomar o caminho precisamente no momento em que se pisou o risco. Apagar dela esses retratos, imagens sombreadas dum percurso inglório que o acaso resolveu por nós.

Mergulhando de frente no olhar líquido de Perez “El Tigre” (nome fictício), um dos cruzados detido por tráfico daquilo que está mais rentável, nota-se a vontade de cambiar. Saltam dessas memórias que trocámos às escondidas, uma saudade da sua terra natal, perto de Barranquilla, onde nasceu a sua deusa artística, Shakira. Da mulher e dos filhos que por lá ficaram. Da pequena insignificância daquele acto que lhe transformou a vida. Da sua dança wampu puku.
“El Tigre”, um ex-mineiro que se fartou dos Andes, não resistiu ao apelo do lucro fácil, confessou.

Desesperado mas firme, vai tentar tudo para inventar outra memória e vivê-la, garante-me. Eu acredito que consiga. Resta-lhe esperar os dois mais longos anos desta vida que é bem real.

quinta-feira, junho 01, 2006

Dia Mundial da Criança

“O mais certo é que preparem um écran gigante em Teerão para que Ahmadinejad possa seguir, emocionado, os onze heróis, já perfilhados na relva de Frankfurt... e Nemat? Escutará, na cela, os gritos de euforia dos guardas prisionais, ou terá já baloiçado na corda?”

Fernando Alves – TSF


Cada segundo conta sempre numa criança, mas hoje não será já tarde para Nemat?