domingo, dezembro 31, 2006

sábado, dezembro 30, 2006

A coisa humanamente incorrecta



Matar um homem não é fácil. Vê-lo morrer, ainda é pior. Que o digam os companheiros com quem convivo e que apanharam penas enormes. Não é diferente se virmos a coisa pela conjuntura do poder político. Mesmo perdidos os direitos de veto e voto por estes camaradas que determinados acontecimentos alteraram a vida que levavam, o enforcamento de Saddam Hussein, na opinião deles, não caiu bem.

De facto, da nossa parte, sempre existirá uma empatia com condenados. Grades e calaboiços, paredes muradas e guardas armados por perto, é das coisas a que estamos habituados. Talvez também por isso, seja mais um reflexo das abordagens que fazemos a várias questões que nos tocam mais de perto. Prisão e pena de morte são duas delas. O poder de julgar e condenar nas mãos de homens poderosos, é mais uma. E a execução de Saddam Hussein em nada alterará o imbróglio em que Bush se meteu, nem tão pouco beneficiará o estado de saúde da região conflituosa. Pensa-se isso por aqui.

E o que nos foi dado a ver?
Um pobre coitado, assustado e de olhos vidrados, que teve os seus anos de condado, privilégios e mordomias, com um país por sua conta. Tal como outros que em campos politicamente opostos também os têm. Apenas com a diferença daquele nó que sufoca subitamente.
Presenciar a subida ao patíbulo da morte com a corda na garganta, não é das melhores coisas que possa acontecer a qualquer gajo. Ver um homem com o pescoço partido, e distorcido, faz queimar a visão que temos das pessoas que comandam o mundo.
E, mais uma vez, ficamos com a noção que qualquer coisa não bate certo. Mesmo que continuemos a desejar um bom ano a toda a gente.

sexta-feira, dezembro 29, 2006

O regresso

Segundo o Ministério da Justiça, numa notícia a que tivemos acesso, estima-se que mais de 2500 reclusos dos estabelecimentos prisionais portugueses tiveram ordem de soltura na quadra natalícia. Como se calcula, fui um dos abrangidos e pude estar uns dias mais de perto com aqueles que mais amo ao abraçar a realidade civil.
Sobre isso, a relevância é de somenos. Será bem mais abrangente saber um pouco da forma como se passa (passou) um Natal no Palacete, e como os companheiros que ficaram se dispuseram depois de termos tido os nossos quinze minutos de fama com a Sónia Lamy.

Como devem saber, esta quadra tem a vantagem de acalmar ânimos. Reina uma tranquilidade aparente e ninguém faz ondas para evitar problemas disciplinares. Ultimaram-se os preparativos para receber as visitas especiais. Recebeu-se e trocaram-se simbólicos presentes. Realizaram-se dois pequenos espectáculos e houve rancho melhorado. Tivemos, como é hábito, os voluntários de algumas instituições de solidariedade social que nunca falham o evento, e contamos sempre com gente do mundo artístico que nos ajudam a passar melhor a consoada.

Inteligentemente, ninguém deixa transparecer a nostalgia e uma ligeira depressão que invade qualquer um de nós por esta altura. Sabemos que um leve sorriso afasta a ideia de que estamos cinzentos. De que nos deitamos a pensar na puta da vida que temos e, na maior parte dos casos, de que o arrependimento pelos disparates cometidos faz sentido. Afinal, errar é humano e a tentativa de reconciliação com uma vida normal está bem presente.

Será apenas uma questão de ter oportunidade para o provar.

Aos que nos visitaram neste espaço, mais àqueles que nos enviaram mensagens e deixaram palavras de incentivo (quase me atrevia a dizer de carinho) na caixinha dos comentários, o nosso obrigado.
Desejamos a todos um 2007 de esperança. Um ano novo onde possam concretizar todos os sonhos e que todos os objectivos a que se propõem sejam realizados.

Bem-hajam!

quinta-feira, dezembro 21, 2006

Futuro



- Conta-me o teu passado e saberei o teu futuro, disse Confúcio.
- O futuro dependerá do que fazemos no presente, respondeu Mahatma Gandhi.


Saber do tempo que há-de vir é, já dos tempos mais remotos, um objectivo a que o Homem se propõe. Assim como voar. Pessoalmente, se isso vier a acontecer – prever o futuro – não ia achar piada nenhuma. Como também faço os possíveis para evitar as previsões da Maya e as recomendações do The History of Astrology. E por arrasto, muito menos voar. Porque sei que, em caso de azar ou avaria, as oficinas estão cá em baixo.

Costuma dizer este povo na sua eterna e simples sabedoria que o futuro a dEUS pertence. Mesmo assim é um exagero. Para mim, o futuro passa tão rapidamente que nunca o conseguiremos agarrar. Sobretudo o futuro longínquo. “Que não existe, que não tem consistência, que não se prevê”. Terá dito em algures o José Gil, parece-me.
Por isso, muito que alguns de nós quando libertos tracem planos, o seu futuro irá sempre depender de terceiros factores. E como a vida está aí por fora, acho que nem a divindade suprema possa fazer alguma coisa.

É usual responder-se por aqui, quando confrontados com a questão, um brevíssimo “logo se vê!”. Provavelmente, se a liberdade me for concedida, irei adoptar a mesma estratégia. Não sem antes de confessar gratuitamente que tenho uma pontinha de fé. Mesmo que a crença em coisas do Além não tenha nada a ver comigo.

Quero ser eu a construir o meu próprio futuro.

BOM NATAL!

terça-feira, dezembro 19, 2006

2007 esperança


Foto EPL - sala de aulas

Li algures no Público que a Amnistia Internacional vai avaliar a situação nas prisões portuguesas em 2007. Pela primeira vez, informam de seguida. Também, e “de acordo com o presidente da estrutura nacional da Amnistia Internacional (AI), António Simões Monteiro, a estrutura de defesa dos direitos humanos vai analisar as condições das prisões e a legislação que rege o sistema prisional português, entre outros aspectos.” Muito bem! Pode ser desta que Aníbal Cavaco Silva inclua no seu Roteiro as prisões do país, pois a Casa Pia já lá mora.

Comparadas com as congéneres brasileiras e americanas, as nossas prisões são uma colónia balnear. Se terá a ver com o rigor e o método prisional português, não tenho dúvidas. No entanto, é muito mais verdade que os reclusos tugas possuem melhor índole de carácter e são menos violentos. Do ponto de vista sociológico, diria mais: temos melhor perfomance no arrependimento, adaptamo-nos melhor ao sistema e sabemos reconhecer imediatamente quando fazemos merda.

De tal forma, que o meu cavalo de batalha continua a ser a tal “avaliação” e análise da legislação que a AI vai realizar agora. Dava de barato que mais de vinte por cento desta malta que aqui mora, se tivessem algumas oportunidades básicas, como têm outras prisões no norte da Europa, eram imediatamente postos no olho da rua. Com justa causa.

E porquê? Porque só quem lida de perto com estes gajos sabe distinguir um serial killer de um bom mecânico, de um bom tipógrafo ou de um tipo que se esforça durante o ano a queimar pestanas.
Pode ser que António Simões Monteiro traga as pessoas certas aos lugares certos e comece a perceber do que estamos a falar.

sábado, dezembro 16, 2006

O indulto



"O perdão e a promessa não chegam a ter realidade: são no máximo um papel que a pessoa encena para si mesma."

Hannah Arendt, in 'A Condição Humana' - fonte: Citador



O indulto é uma proposta do Ministério da Justiça que, depois de passar pela tramitação usual: pareceres do Tribunal de Execução das Penas, director do estabelecimento prisional, Instituto de Reinserção Social, etc…, é dado a quem está a cumprir pena por prática de crime.

Todos os anos são submetidos à apreciação do Conselho Técnico, que é presidido pelo juiz do Tribunal de Execução das Penas de Lisboa, milhares de pedidos. Desde saídas precárias prolongadas até à redução ou comutação da pena.
Será sempre uma prenda apetecida nesta altura do ano. E como se viu ontem no programa da SIC, todos os reclusos sem excepção admitem que vão mudar de vida. Mas uma coisa que nunca ninguém pode alterar são os laços criados durante todo este tempo em que faz frio. As trocas e baldrocas sentimentais que qualquer ser humano possui. Até mesmo nós.
Ficam laços como lapas agarradas na alma e coração que, ao contrário do que é suposto pensar-se, todos estes gajos também têm.

Do indulto, muitos deles já o fizeram e este ano meti também o meu. Cabe ao Presidente da República decidir em conformidade.

quarta-feira, dezembro 13, 2006

Natal das Prisões



Para atenuar a nostalgia da data, Custóias este ano é o palco central do Natal das Prisões.
Com a apresentação de Fátima Lopes, Rita Ferro Rodrigues, Nuno Graciano e José Figueiras, lá estarão os nossos “Tass Bem”: um dos grupos musicais do Palacete. O “Notas Soltas”, a banda da prisão do Porto, também lá estará.
Em emissão especial, vamos poder ver e ouvir os Santamaria e os UHF, para além de Ruth Marlene, Mónica Sintra e o Coro Misto da Covilhã, entre outros.
Dá na SIC. Sexta-feira, 15, entre as dez e as cinco e meia da tarde.

domingo, dezembro 10, 2006

As nossas crianças



Todas as histórias de Natal conseguem um final feliz. Até as nossas, por muito efémeras que sejam.

A nós basta-nos o sorriso travesso daquele puto ali ao lado, aconchegado ao colo do pai que está preso já lá vão um bom par de anos. Uma pergunta sábia, como só eles sabem fazer. Uma dúvida. O entender porque estamos aqui fechados todos os dias. A nós, basta-nos rever aquela menina de nove anos com longos cabelos loiros que o seu irmão afaga com carinho. Basta-nos reviver uma troca de olhares que perguntam, que perdoam. De todos os pais e mães que a vida penitenciária tem cativos os próprios filhos.
E acontece ser esta a data onde se esquecem rancores. Raivas e medos. Planos de vinganças múltiplas. Quase tudo.

O ícone do evento, ali montado com luzes de variadas cores piscando, alerta-nos para que guardemos as pistolas. Se resguardem todas as armas que servem para matar a esperança que nos foge. Porque o palco está montado e as crianças já se acomodaram.
Um palco onde se cantam frustrações e se encenam personagens quase numa conversa de surdos. Um espaço feito de pinheiro onde já floriram ramas e pinhas e se aproveitaram as carumas. Um chão mais alto de onde se grita e chora sem as algemas colocadas. Onde se dança no sentido dos ponteiros do relógio que nos marcou as horas pardas desta vida que levamos.

É para elas que fazemos o Natal. É para elas que prevemos melhor futuro.

domingo, dezembro 03, 2006

Gangs



Falar sobre gangs, guettos e pretos, não é propriamente agradável. Menos ainda quando a captação do que aqui possa ser escrito engloba uma população média-alta que não está habituada a andar aos tiros.
O certo é que todas estas cenas fazem parte do quotidiano dos mal-afamados, da malta da droga e dos gajos que apenas têm uma forma de estar: na lei da selva. Ou seja, nós!
Não estou a ver os antropólogos, jornalistas, advogados, professores, e outros poetas desta vida cor-de-rosa (os blogues) a relatarem com conhecimento de causa situações como aquela que aconteceu no Oriental Recreativo. Mas nós, mesmo limitados na cultura e sem diplomas, respeitando os acima mencionados, neste tema damos cartas, desculpem lá.

Para exemplo, serve de prova o contacto diário que temos com os intervenientes de histórias parecidas. De raças e credos opostos, onde um copo a mais ou uma gaja boa metida no meio da malta pode fazer despoletar os canhangulos e, com alguma sorte, a estadia nestas assoalhadas foi o melhor que lhes podia ter acontecido.

O discurso de Estado, nesta matéria, é estranho, debilitado, camuflado e pouco lúcido. Digamos que é um assunto ingovernável e que mesmo alguns gajos com "eles" no sítio retrocedem ao olhar de frente o problema.
Sempre fui apologista de que mais segurança não implica melhor segurança. Não são mais polícias e mais brigadas e outras comissões que coloca toda uma máquina social a funcionar. Interesses alheios sobrepõem-se. Desde económicos à função da própria sociedade na distribuição de educação e riqueza por todos estes desgraçados que nem sequer o encarceramento os faz mudar.

Falar de bairros problemáticos ou na facilidade de adquirir armas de fogo é tornear a questão. O crime sempre fez parte da história da humanidade. O que se coloca em causa é a conduta destes cidadãos perante as desigualdades e descriminações a que estão sujeitos diariamente. Às condições que lhes são oferecidas para encher os bolsos de quem não olha a meios para atingir os fins. Dos direitos e deveres da relação entre dominante e dominado.

Como diz o poeta, só há liberdade a sério quando houver pão, saúde, habitação, educação. A paz será sempre o acréscimo daquela quadratura para o compromisso que se impõe. Penso eu.

sábado, dezembro 02, 2006

Más companhias



"...
Em todas as ruas te encontro
Em todas as ruas te perco"

Mário Cesariny


Diz a lei que qualquer acusado é inocente até prova em contrário. Mas existe uma atenuante social mais importante que iliba de forma categórica qualquer certeza de que um gajo é mesmo bandido por natureza: as más companhias.
Segundo os índices dos mais recentes estudos sobre a criminalidade portuguesa, a maior parte dos arguidos que vão a julgamento declaram-se inocentes à partida. Mais. Alegam influências exteriores que não puderam, ou não souberam, evitar. As tais más companhias. Porém, uma coisa é certa: eu, por exemplo, sou culpado mas rejeito que tenha exercido qualquer influência nos tipos que aqui vim encontrar e que nem sequer conhecia. Ou mesmo a outros que conheço mas que nem sequer os vão conseguir prender.

Por outro lado, os defensores nem alguns juízes não se tornam inocentes. Todo e qualquer processo arrastam consigo as teias da lei. As segundas leituras e outras tantas interpretações. Tudo se submete a um jogo com players desconhecidos onde algumas regras pedagógicas e a verdadeira justiça se arredam da sua essência. E no caso real, é gritante a constatação da anormalidade na lei e que passo a expor:

Em 2004, um puto que vamos chamar de Jorge, foi agarrado com droga nos bolsos. Como é da praxe, alegou que a dita era de consumo próprio para evitar ser confrontado como joguete nas mãos daqueles que os utilizam como dealers. Claro que o puto tinha comissão naquilo que vendia e creio que a culpa era evidente. Mas a injustiça começa dois anos depois, precisamente neste mês, onde o chavalo é chamado a depor sobre os trâmites que aquela rusga ditou. Demoradamente e fora d’horas como é comum nos tribunais portugueses.

É que o Jorge, agora com a vida organizada e estabilizada desde aquele primeiro susto – trabalha diariamente na construção civil e nunca mais se meteu na merda – está sujeito a vir passar com os costados todos, se se provar o delito, uns meses valentes nas nossas más companhias. Tudo isto após dois anos e pico depois. Será justo?