terça-feira, maio 29, 2007



“A ponte é uma passagem/p’ra outra margem…”
Jafumega, 1980


E nós, o Núcleo Duro que edita este blogue atrás de grades, somos as pessoas que mais pontes procuram.

Quase diariamente, não temos muita disposição para festejar o que quer que seja porque, como se consegue perceber, o palco da nossa estadia não é dos mais sugestivos para comemorações. No entanto, esta não devemos deixar em branco.

Faz um ano que começámos a atravessar a ponte que nos liga a um exterior que faz sentido. Que tem retorno e nos ajuda a ultrapassar a solidão. O medo e o vazio. A visão que temos das coisas que nos fizeram vir aqui parar.
Ao contrário da lenda da ponte de Mizarela, esta estava já erguida no meio do tudo. Com o tabuleiro central apinhado de compreensão. De estímulos e incentivos. Animado com outros viajantes que, como nós, procuram trilhos melhores a outras respostas, e foi fácil descobri-la.

Neste ano que passou rapidamente, muitos saíram já para a derradeira tentativa de refazerem a sua própria vida. Infelizmente, muitos mais entraram ou foram transferidos. De qualquer forma, julgo que os que se foram vão mais fortes no sentido de encarar melhor as coisas. Foram-se com esperanças redobradas. Mais enriquecidos por um ano diferente que passaram com esta experiência que nunca esqueceremos.

Por isso, agradecemos a todos quantos nos ajudaram a ultrapassar os dias menos bons. A todos quantos nos galvanizaram e apoiaram. A todos quantos nos enviaram uma palavra de carinho. De amizade. Mesmo sabendo que somos o que somos.
Para além de estarmos gratos, nesta ponte onde ninguém paga portagem, apenas podemos retribuir com a vontade de nos tornarmos melhores pessoas e sair de vez do sub-mundo que foi a desgraça de todos nós.

Contem com a gente!

quarta-feira, maio 23, 2007


Setúbal

Na continuação do projecto “A cor das histórias”, que está a percorrer os estabelecimentos prisionais pela mão do Miguel Horta, em parceria com o Instituto Português do Livro e das Bibliotecas, publicamos uma carta curiosa.

Perguntaram-me “como é que as crenças funcionam na prisão?”.
Na minha qualidade de bibliotecário de trazer por cela, respondo que depende. Depende da educação religiosa a que cada um destes manganões foi administrada. Entre outros factores, depende do estado psíquico em que se encontra cada um deles; enquanto existem uns que se revoltam pela sorte madastra que lhes tocou, outros há que se agarram a qualquer bóia que os salve ou lhes alivie a penitência.

A “Missiva a Cristo” do Alex – detido no Estabelecimento Prisional Regional de Setúbal – pode ajudar a desenvolver a opinião que, provavelmente, os que passarem por aqui podem deixar.


"Amado irmão:

Quero antes de mais pedir que me perdoes pelo tardar desta missiva, a primeira que te escrevo. É que tenho andado tão atarefado com a minha vida que dificilmente arranjo tempo para aqueles que mais amo. E depois tenho procurado enganosamente a tua morada, escrita num papelinho algures no fundo de uma gaveta para só agora descobri-la gravada no meu coração, oculta, perdida desde o tempo da minha inocência, tempos antes da minha boca provar o sumo da maçã avermelhada, daquela árvore que nosso Pai nos haveria proibido. Mas tu sempre foste um filho obediente, recto.

Pois é irmão, saudosamente me recordo dos tempos em que o meu coração ainda era daquele barro moldável, livre de impurezas, de vícios, onde nosso Pai tão subtilmente esboçou a sua arte com os seus ensinamentos, onde com todo o seu amor realizou a sua obra, como todas as suas outras. Como fez com todos nós. Foi esse amor que eu perdi, desentendi o verbo! Ou simplesmente soneguei-o do meu peito condenando o meu coração a este turbilhão de emoções que é a nossa existência, que não é mais que o nosso cepticismo, ou medo ao nobre sentimento. Se ao menos o nosso orgulho conseguisse entender que admitir a nossa fraqueza e pequenez é sinal de grande coragem como tudo podia ser diferente... E fui crescendo irmão, erradamente eu vejo, e perdi-me na sabedoria dos Homens, na sua liberdade desmedida, no seu desrespeito. Aquele mesmo desrespeito que tive com as leis de nosso Pai.

E depois amei...antes, apaixonei-me intensamente pela carne, que me distrai, me tenta e seduz, aquela Eva que foi parte de nós, que nos falta e completa, e, é a nossa perdição e a nossa continuação. Essa mesma mulher a que vou chamar de esposa e que me vai fazer Pai, Avô, dar-me outra família.

Como tendemos a infectar, irmão, a parasitar com a nossa falsa omnipotência e uma brutal subjugação a nossa relação com os outros. O que nos trouxe a escolha pela sabedoria, o custo da nossa desobediência, esse doce veneno que nosso pai caprichosamente nos deixou ao alcance de um braço, se continuamos a agir como os restantes animais selvagens desprovidos de racionalidade e misericórdia!?

És tu meu irmão aquele retrato fiel que nosso pai pintou para o homem, um homem sábio, humilde, misericordioso, piedoso e solidário. Tu sabes o quanto te tenho pedido, naqueles monólogos em forma de oração, para me ensinares a compreender melhor os desígnios de nosso Pai. Perdoa-me irmão as vezes que teimosamente não te abri a porta, apesar da tua constante presença, da tua eterna omnipresença. E como um irmão mais velho tens-me guiado e amparado, dado esperança, tens feito de mim um ser melhor apesar de todas as minhas falhas e pecados, sacrificaste-te por nós, por toda esta terrena família. E inundas a nossa alma de intensa luz, de uma serena paz, de uma inabalável Fé. Por isto em nós és Rei coroado, não com ouro, mas com gratidão e amor.

Por hoje me despeço de ti, irmão, confiante que jamais te vou esquecer."

Alex - E.P. Setúbal 8/Março/2007

sexta-feira, maio 18, 2007

Campo de afectos



Uma leitora, visivelmente incomodada com a leitura que fez numa recente visita a um determinado estabelecimento prisional, presumo, escreveu-nos a relatar as suas preocupações. A coisa reporta-se ao facto de ter presenciado que existe pouco afecto durante esse período entre os familiares e o recluso a quem vão ver. No mínimo de 15 em 15 dias, segundo diz. Os sentimentos, ou a falta deles, incomodam-na. É normal, já que estamos a falar de pessoas fora destas lides diárias. Porém, nestes homens que viveram toda uma vida de dureza social, transgredindo as leis e regras que a sociedade impõe, a cena é absolutamente justificada, não o sendo tanto justificável quanto baste, diga-se de passagem.

Em princípio, a diferença dos graus de sensibilidade entre quem leva uma vida certinha e aqueles que vêm cá parar dentro é fácil de adivinhar. Um gajo que opta por desenrascar-se na vida, tentando não fazer nenhum e viver à custa do esforço alheio, está-se a cagar para a música erudita, para a poesia e os ensaios de Jorge Luís Borges.
Do lado contrário, todos quantos se perfilam nos ensinamentos de Buda ou de Jeová, de S. Francisco de Assis ou do padre Borga, é natural que a visão humanitária que têm sobre esta gente sofra algumas transformações que incomodam os mais sensíveis.

Claro que esta alusão não se aplica a todos os encarcerados. Sabemos disso. Eu, por exemplo, emociono-me com algumas cenas do “Titanic” (ainda não percebi bem porquê) enquanto outros deliram com o canibal Hannibal Lecter. É crível dizer-se que vivemos num mundo animalesco, onde a sobrevivência é fundamental e onde testemunhamos todos os dias injustiças e assistimos, pelas leituras que fazemos, a imensas desigualdades. A relação entre familiares e reclusos não foge à regra. A excepção é que poderia talvez ser diferente.
Mas toda e qualquer governação, por mais justa que pretenda ser, não se compadece ou sobrevive a incentivar campos de afectos. É mais fácil jogar com sentimentos e, infelizmente, isso é coisa que não se gasta muito por aqui.

Como já estamos habituados, não nos chocamos com a preocupação da nossa querida leitora e aproveito para plagiar o que diz o outro na tentativa de explicar o inexplicável: “Parecendo que não, facilita!”

terça-feira, maio 15, 2007

Enquanto todos esperamos o melhor desfecho para o caso de Madeleine McCann, procuramos encontrar soluções para os tipos que podem julgar que estão perdidos. O projecto “A cor das histórias” do Miguel Horta, em sintonia com o Instituto Português do Livro e das Bibliotecas, segue a sua caminhada para o Estabelecimento Prisional do Montijo já em Junho.

Enquanto assistimos à tomada da cidade de Lisboa por pessoas que tudo querem fazer por ela menos melhorá-la, soubemos que o artigo de Alexandra Marques no DN teve consequências positivas no que diz respeito a todos estes manganões que, aqui e ali, em todas as prisões portuguesas, continuam à espera de se fazerem ouvir.

E hoje, trazemos ao conhecimento de quem aqui passar uma viagem. Uma viagem real. Relatada pelo autor na primeira pessoa, o “Vítor”, no Estabelecimento Prisional Regional de Setúbal a residir, esperemos que por tempo curto.


A Esfinge - Guardiã das pirâmides de Gizé

De Lisboa ao Cairo


"Ao saber de tal, não pensei viver tudo aquilo que vi, ouvi e cheirei. Sabia eu pouco sobre um país rico em cultura, sabia o mínimo, apenas uma civilização com 6 mil anos de história. Vou contar algo incrível!

Uma cidade cosmopolita igual ou maior que qualquer uma do ocidente com cerca de 12 milhões de habitantes. Dá para imaginar? Tive a sorte de lá viver 6 dias com tudo de incrível que se possa imaginar, do tipo "Mil e Uma Noites". Saí do hotel, pela manhã, com a intenção de ir ao plateu de Gizé, onde se situa a maior concentração de pirâmides e esfinges de todo o Egipto. Ao chegar ao local, aproximou-se de mim um homem de sorriso jovem, apesar de bastante idoso e com pouquíssimos dentes, como se debaixo daquela pele grossa e enrugada se escondesse um rapaz de rosto liso ainda imberbe. Negociei o aluguer dos cavalos com ele, a minha intenção era ir de camelo mas encontravam-se todos alugados a uma excursão de italianos.

Então, lá segui de cavalo pelo deserto com as pirâmides no horizonte.
Conforme nos aproximava-mos, menor era a minha respiração, não por medo, mas pelo espanto da imponência de tamanha obra. Já aos pés da esfinge, pasmo. Pensei; parece que vim provar a sua existência!

As pirâmides erguem-se em grandes blocos de pedra rugosa, têm a mesma cor alucinada dos crepúsculos, batidas pelo vento áspero e pelo duro sol. Do cimo do meu cavalo senti-me tal qual Alexandre “o Grande” ou até mesmo César.

Depressa o dia acabou. Pois na verdade o que não me lembro é das horas que rapidamente passaram pelo Cairo. Fiquei em ânsia para ir para Alexandria, só não sabia que iria de carro e não de avião; sorte a minha porque a maior parte do trajecto foi pelas margens do grande Nilo, o rio que sustentou uma das maiores civilizações do passado. Fazia calor, seco, tão seco como possam imaginar... Ajudaram as Colas e Fantas, únicas bebidas, além do chá; porque álcool só nos hotéis.

Finalmente estava em Alexandria, cidade impressionante, banhada pelo mar Mediterrâneo. Ao passar pela alfândega portuária, um dos policias reparou no meu crucifixo que trazia pendurado no meu fio de ouro ao peito. Qual o meu espanto ao ver aquele homem dobrar a manga da camisa do seu braço esquerdo para, com orgulho, exibir o seu antebraço tatuado uma cruz, dizendo que também ele era cristão. Conclusão: nem as minhas malas abriu! Jamais esquecerei, naquele rosto de olhos reluzentes, o orgulho da sua partilha.

No cais esperava-me um navio com cerca 240 metros e de grande tonelagem, de bandeira Americana, de seu nome Ultramar, que para mim foi um bom presságio.

O meu destino imediato era passar do Mediterrâneo para o oceano Índico, atravessando o canal do Zuêz com cerca de 160 km de extensão até ao Mar Vermelho, num percurso de 12h. Já no Índico, navegámos 22 dias até Bangladesh, na Índia.

Mas aí foi outra história... como em todas as viagens que fiz à volta do mundo."

segunda-feira, maio 14, 2007


Brasília

Decorreu este fim-de-semana em Brasília o Seminário Nacional pela Educação nas Prisões. Marc De Maeyer, observador da UNESCO, referiu em dada altura na notícia a que tivemos acesso que "a educação é um instrumento para escolhas, para as pessoas poderem mudar as suas atitudes". Segundo ele, “não se trata apenas de ensinar o preso a ler e a escrever, mas de levar a educação para o quotidiano”.

O pesquisador da Unesco lembrou também que cabe à sociedade pensar e ajudar a inserir novamente essas pessoas. E lamentou a falta de informações exactas sobre a realidade nas prisões. "Dos formulários enviados para vários países na tentativa de inventariar e destacar as principais dificuldades na área de educação, recebemos apenas 80 respostas", informou.

Já Hugo Rangel, um canadiano representante do Observatório Internacional de Educação nas Prisões, refere que a educação pode melhorar o nível de vida dos presos na medida em que quanto mais e melhor educados formos melhores cidadãos nos tornamos. Acredito que estas ideias sejam seguras e possam dar frutos. Mas a realidade dos problemas com que as prisões dos 27 estados brasileiros se debatem limitam o esforço destas entidades internacionais.

Comparando um pouco com o que se passa nas nossas, lá como cá, há falta de meios estruturais, escassez de recursos humanos e vontade. Está tudo teso e, lá como cá, só alguma carolice dos bons samaritanos vai fazendo alguns progressos.
Se me perguntarem se tenho ideias quanto ao assunto, tenho sim senhor. E no meio destes textos que a malta vai escrevendo por aqui, estarão algumas em estado avulso.

Mas eu não sou doutor nem engenheiro, e tão pouco possuo a pasta da Justiça. No entanto, já melhoramos algumas coisas à revelia. Porquê? Porque a política de educação neste Palacete também passa por nós. Questões de segurança interna impedem que relatemos os progressos e a disponibilidade sempre presente do nosso Director, mas posso adiantar que, à medida que o tempo de clausura vai passando, estamos a tornar-nos melhores cidadãos. Também muito por “culpa” da receptividade e impulso que a rapaziada que vai passando pelo blogue nos dá.
Acho que não podemos pedir mais.

terça-feira, maio 08, 2007

Madeleine McCann



Pode parecer estranho, mas o caso da menina desaparecida está a mexer com quase toda esta malta que aqui cumpre pena por crimes vários. Inclusivamente, e em sigilo, tentamos perceber o que poderia ter acontecido e o que nos podem explicar os acusados e condenados por práticas de rapto, sequestro, pedofilia, que se encontram noutras celas. Com eles mantemos uma abissal distância, mas neste caso um apertão no sítio onde colocam a gravata pode ajudar.

Relatos esporádicos dessas ocasiões revelaram-nos que existem várias hipóteses de a menina ter saído do país imediatamente. Há turcos e espanhóis que fazem elo numa rede abrangente no tráfico de crianças. Mas o facto de a Madeleine ter quase quatro anos pode excluir qualquer hipótese de adopção compulsiva. A haver crime, ele é mais grave: a rede internacional de órgãos humanos e outras experiências macabras pode ser um deles. A violação de bebés por gajos que não batem bem dos cornos, pode ser outra.

As suposições dos criminologistas reconhecidos neste país à beira-mar remetem-nos para outras hipóteses possíveis. No entanto, e com o devido respeito, não acreditamos em rapto para obter vantagens financeiras. Tão pouco se acredita neste Palacete que a garota tenha saído pelo seu próprio pé.
Discutir, por agora, factos negligentes, não adianta muito. Nem tão pouco as capacidades no terreno das polícias destacadas. Interessava, isso sim, perceber e entender porque está tudo isto a acontecer à nossa volta.

Saindo um pouco da revolta que ainda tenho, e mesmo não acreditando em nenhuma força divina, Deus queira que ela apareça vivinha da costa.

segunda-feira, maio 07, 2007

Um olhar pela cidade



Pelos muros, futuramente esventrados de quem ainda cá mora, olhamos pelas últimas vezes a cidade. Não tardará muito guardar os sons que ouvimos. Cheiros e memórias. Luas novas e cheias com encantos que não foram condenadas ao degredo como nós.
E falar da vida numa reclusão, como algures já referi, é fácil. O difícil é traduzir o que se sente nas noites e dias que passamos. As experiências que tivemos. Contar o que obtivemos ou ganhámos.

Supostamente, qualquer um de nós representa uma fase da vida menos boa. Podemos ilustrar até uma espécie de retrato social no pior sentido. No entanto, por detrás de corpos musculados e de tatuagens desenhadas, descobre-se o género humano. Um sorriso ténue de criança com muitos anos de castigo. Um propositar constante de estarmos livres, mesmo que o cenário das grades e corredores sem fundo nos provem o contrário.

Sábado passado, os reclusos do Estabelecimento Prisional de Paços de Ferreira provaram-no.
O auditório da Biblioteca Municipal Prof. Vieira Dinis encheu-se para receber a peça “Branco Preto Branco” numa homenagem a Ruy de Carvalho, e tal como tenho defendido, todos foram unânimes em declarar que faz sentido dar uma oportunidade a muitos destes gajos. Queiram eles agarrá-la.

Do outro lado desta cidade, outras vozes nos chegam em forma de coisas simples. É o caso dos reclusos do Estabelecimento Prisional Regional de Setúbal que, como referi num dos posts abaixo, ganharam um aliado de peso: o Instituto Português do Livro e das Bibliotecas.
Pela mão de Miguel Horta aqui publicamos o primeiro trabalho que nos chegou. "Mário" é o autor duma receita especial. Daquelas que, com tempo, poderemos servir à mesa de qualquer pessoa de bem.



Desenho de Miguel Horta

RECEITA DA AMIZADE

Ficha Técnica

 Custo: Elevado
 Grau de Dificuldade: Elevado (A qualidade dos ingredientes pode fazer diminuir o grau de dificuldade)
 Tempo de preparação: Não determinado
 Número de comensais: Não determinado, mas é normalmente um prato servido a um número restrito de pessoas

Ingredientes

 Lealdade: 100%
 Honestidade: 100%
 Tolerância: Muita
 Diálogo: Quanto baste
 Corantes: Irrelevante

Recheio

O recheio deve ser adicionado de acordo com os comensais, mas com cuidado necessário para que não altere o sabor. Um recheio despropositado ou confundido, pode provocar indigestões graves.

Ingredientes para o recheio

 Paixão
 Amor
 Religião
 Política
 Sexo

Preparação

Num tabuleiro untado de alegria e polvilhado com boa vontade, junte a honestidade à lealdade. Acrescente a tolerância e misture bem. Quando o forno estiver quente, adicione o diálogo e deixe cozinhar em lume brando.
Enquanto a amizade coze, pode tratar de outros assuntos. Se o prato se queimar não se preocupe. Com ingredientes de qualidade recupera-se o prato rapidamente e, não raro, apura.

Apresentação

A gosto. Servir sem moderação e sempre que sintamos fome.

NOTA
Não congele nunca o prato. Mantenha-o morno em banho maria para que o sirva em qualquer altura.

Bom apetite ! ! !

quinta-feira, maio 03, 2007


Alcoentre

Entre o levantamento na lavandaria da roupa lavada e o adiantamento do descascar das batatas para a refeição seguinte fomos ouvir o debate entre Ségolène Royal e Nicolas Sarkozy.

Tal como os austríacos que gostam de ouvir Fado, também não percebi peva das palavras que foram ditas. É como estar a ver o jogo Milan-Manchester relatado por um locutor coreano. Por isso limitei-me a seguir le débat em visionamento gestual, e com a sensibilidade que os sons por elas transmitidas podiam traduzir. A conclusão final a que cheguei, para mal dos imigrantes e outras fatias da sociedade menos prósperas, é que o “homem” no domingo vai ganhar.

Depois de ver estas duas horas e tal de seca, o pensamento redireccionou-me para outros lugares. Lugares onde estão a ter lugar proibições, liberdades ameaçadas e coisas do arco-da-velha. Pensei na nova lei do tabaco, nos delatores da Função Pública, no Alberto João, no Carmona Rodrigues (que a esta hora deve estar a ser ouvido) e no Benfica. Coisas que por ora não nos preocupam mas que podem ser um embaraço quando aí fora.

É curioso pensar que nós, algemados-amarrados-gradeados, tenhamos maior liberdade de escolha e de respeito para o bom funcionamento desta “sociedade” desaconselhada em relação a essa outra que se destina a criar, ensinar e desenvolver.
Há qualquer coisa que não bate certo. Estarão a ficar rebanho dum novo Pastor, ó malta? Ou será que "O corpo humano como nunca o viu..." estará a germinar entre nós?

O que nos vale é que já estamos a trabalhar para o novo projecto: Alcoentre. “Um dos maiores estabelecimentos prisionais do país”, segundo classificou José Conde Rodrigues, secretário de Estado da Justiça.
É para lá que vamos em 2009 e nos despedi-mos dos vizinhos. Já com saudade, mas na certeza que estaremos melhor lá dentro.
Penso eu.

terça-feira, maio 01, 2007


Setúbal

“Interessa-me saber quem são, não o que fizeram.”
Miguel Horta

Como para nós todos os dias são feriados, as nossas actividades estendem-se ao limite do inimaginável em relação à vida normal de qualquer pessoa livre. Mesmo supervisionados e nos limites da disciplina carcerária imposta, ainda assim, espreitamos até onde nos deixarem ir com esta oportunidade de termos um blogue. E vamos longe, para falar verdade. Além de ajudar a passar os tempos mortos, a cada dia descontado na pena que cumprimos descobrimos sempre coisas novas. Gente viva que por acaso, ou não, nos acompanham por aqui.

É o caso de Miguel Horta, monitor no Estabelecimento Prisional Regional de Setúbal, e que é o mentor do projecto “A cor das histórias” em colaboração com uma iniciativa tomada pelo Instituto Português do Livro e das Bibliotecas e da Direcção Geral dos Serviços Prisionais.

Por isso, em breve publicaremos os resultados obtidos pelos nossos companheiros da outra margem.