domingo, novembro 26, 2006

Um olhar natalício

Calcula-se, talvez erradamente, que vivendo em ambiente incaracterístico para a maioria das pessoas, o Natal passe despercebido no Palacete. Não passa. Tal como nos lares portugueses por esse país afora e adentro os preparativos começam agora e, como festa tradicional, este evento tem características especiais. Sempre teve. É um momento now and ligth onde a rebeldia e a revolta de quem está preso, a paz-catrapás de dias menos bons, divergências e outras carências, metem folga. Espaço único onde vemos gajos de quase dois metros, tatuados e barbudos, em azáfama constante pelos corredores das alas e oficinas a arranjar ideias.

O olhar que vem do exterior motiva-nos. O lado mais humano do pior bandido revela-se. A pieguice dos tipos que nasceram de armas na mão instala-se. Uma mutação emocionante e inexplicável, mesmo aos olhos dos melhores psicólogos e outros tipos que nos tratam da saúde.

Se fosse sempre assim, poderiam ter dito Shakespeare, Cesariny ou Pessoa, a razão de existirem calaboiços não tinha razão de ser. Afinal são estas pequenas merdas que nos fazem iguais aos outros na cosmética social.
Para quem não saiba, estes dias que nos separam do apogeu da mesa posta, da família, das prendas e do bacalhau com todos, criam arte e beleza de onde menos se poderia esperar. A veia poética e artística sobe de tom. A aprendizagem acumulada em meses e anos de degredo dão os seus frutos.

E fazemos de clowns. De actores e nómadas. De gente perdida que encontra o rumo certo no pequeno palco da vida neste cárcere. Pena que seja só por estes dias. Após a passagem de ano continuaremos a contar os outros que nos faltam para sair.

domingo, novembro 19, 2006

Fórum Prisões


Domingo de manhã é assim: calmo e tranquilo, o Palacete

“O Fórum Prisões é uma organização não governamental que reflecte e intervém sobre todos os fenómenos do sistema judiciário-penitenciário que interferem com os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.”

Guilherme Pereira, o secretário-geral, é a face mais visível que promove o acompanhamento dos cidadãos privados de liberdade e a sua reinserção social nos termos da lei.

Fomos “descobri-lo” em Setúbal e, mais que não seja, aqui ficam algumas das suas opiniões para se ir lendo devagar. Só para estudiosos na matéria e/ou interessados no assunto, porque para o casual visitante deve ser uma seca.

Agora para descongestionar um pouco o ambiente, aqui fica o camarada Ruce e o a aproveitamento que ele faz da precária.


Fonte Lusofolia (link ali ao lado)

quinta-feira, novembro 16, 2006

Realidade e fantasia


Foto: José Mário Silva

"A realidade é apenas humana, e apenas parcialmente real."
Edgar Morin - fonte Citador


Como se percebe, o nosso reino não é deste mundo; o mundo dos blogues.
Para além das limitações linguísticas e temáticas, existem inúmeras fronteiras que nos separam. Mais altas que as amuradas deste Palacete. No entanto, e por capricho ou destino, as realidades e percepções do mundo que nos rodeia são idênticas.

A ideia de que se encontram prisioneiros dentro da liberdade que têm, é visível nos monólogos que travam com o outro eu. Muitos cumprem regras e quase todos querem fugir. Para onde é que não sabem. Tal como nós.

Ao contrário do que se possa imaginar, a maioria dos reclusos são católicos. Como tal, agarram-se à única tábua que lhe estendem. Lisa, escorregadia, e talvez ensebada pelos tempos que correm. Austeros e vazios. Tempos perdidos desta juventude envelhecida. Os bloguistas também. Talvez não em epístolas e credos, mas nas fantasias desta humanidade angustiada. Só que nós comemos a dobrar e pela medida grande porque não fazemos do nosso nome a fonte da subsistência e da sobrevivência.

Aqui, a realidade e fantasia misturam-se. Por vezes, explosivamente. Só com a diferença de que, uma vez reabilitados, o que vamos encontrar depois de alguns anos desligados do sistema, é um novo mundo. Tão difícil e perigoso como esta clausura.
Num step by step, com dizia o outro. Desconheço é se será suficiente.


De olhos na liberdade


Foto: Ana Baião

A Prisão-Escola do 115

Reportagem de Pedro Coelho e Ana Baião (fotos). No Expresso.
Gentilmente enviada pelo nosso ilustre visitante Py (desconhecemos se tem blogue) ao qual já devemos o título de CP: Colaborador Permanente.
O nosso Obrigado.



VII Taça de Futsal (ainda estamos em Festa)



EPPorto 3 – EPLisboa 4

segunda-feira, novembro 13, 2006

Ficheiros secretos



Nos dias 3 e 4 de Novembro estiveram em discussão as Primeiras Jornadas de Saúde em Meio Prisional, realizadas na Ordem dos Médicos, no Porto. Fizeram parte das entidades nacionais e internacionais, além de Acín Garcia, do Estabelecimento de Aranjuez de Madrid, estiveram também Rui Pinto (Hospital Prisional São João de Deus), Ana Horta Aboim (Hospital Joaquim Urbano), João Goulão, presidente do Instituto da Droga e Toxicodependência (IDT), e Luís Patrício, do Centro de Atendimento a Toxicodependentes (CAT) das Taipas, entre outros.

E o que se discutiu? A avaliação do “estado de saúde” das prisões portuguesas.
Mais uma vez não fomos ouvidos, ninguém nos perguntou nada e o relatório conclusivo vai levar semanas, senão meses (!), a ser conhecido. Continuamos a ser tratados como rufias ou cães vadios. Gajos sem voto ou opinião. Tipos capazes de vender a alma ao diabo ou a própria mãe na Feira do Relógio. Para mim, estes tecnocratas são um péssimo exemplo de integração.
O que eles querem apalpar sabemos nós. Não se trata de medir a tensão arterial ou verificar se os pulmões ou a figadeira possam estar infectados. Se as condições dos espaços estão salubres ou necessitam de ajustes. Nem tão pouco vou acreditar que estão a consultar estatísticas de números que já não fazem sentido.

Podendo pecar por exagero, a realidade é outra; tem a ver com cifrões.
Nas nossas costas estão a cortar nas despesas de medicina preventiva e nos custos do acompanhamento profiláctico. E isso é grave. Por outro lado, aproximam-se tempos de retoma financeira sobre os espaços prisionais que se vão vender. E mais grave ainda é que não existe um plano pormenorizado sobre quanto valem os terrenos. Só para exemplo, sabemos de fonte segura que o Centro de Vila Fernando vai passar para Elvas e rende 30 milhões de euros. Mas nada está programado quanto às condições que irão ter os putos que lá estão.
E quanto custará o Palacete? Noventa, duzentos, quinhentos milhões?
Porventura alguém se lembrará que é desta compra que se vai tentar remediar a situação no Linhó? Que é com esta receita que o Estado pretende atingir um nível satisfatório no que concerne ao estado de saturação residente nas prisões?

A solução imediata é um levantamento. Não de rancho ou de caserna, mas dum simples apalpar o pulso a quem ainda se consegue perceber válido para encarar a vida social a quem tiraram de modo simplista o contacto. E são muitos aqueles que uma nova oportunidade poupava dinheiro ao erário público. Temos especialistas formados e outros encaminhados na jurisdição do assunto que podiam resolver a burocracia em que estamos mergulhados. É que um tipo que está por aqui a cumprir oito meses de prisão por dar uma tareia a um gajo que se meteu com a irmã dele não lembra ao diabo. Muito menos crimes menores que merecem almoçar e jantar na companhia do real banditismo por dois ou três dias até que as provas o ilibem e não se torne mais um dos nossos. Como diz o outro do anúncio: “parecendo que não, facilita!”.

Mas é engraçado a leviandade com que se trata certos casos do “estado de saúde nas prisões” que temos.

quinta-feira, novembro 02, 2006

A controvérsia das seringas (3)




A controvérsia das seringas (1)
A controvérsia das seringas (2)

Não está fácil o consenso sobre a “Operação Seringada”.
Se por um lado, António Costa e Correia de Campos garantem a “troca personalizada aos reclusos através do fornecimento por pessoal dos serviços de saúde”, por outro, o Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional contesta o novo projecto “alegando questões de segurança”. Mas no meio desta embrulhada toda alguém se está a esquecer, aliás como sempre, de uma terceira força: nós, os mais interessados, e directamente ligados à coisa.

É fácil constatar que perto do milhar de residentes, actualmente a repensar e a refazer a sua própria vida neste Palacete, nem todos são toxicodependentes e ponto final. Além disso, dos que são, nem todos se injectam. O Programa de Abstinência em “terapia colectiva” fez progressos e, mesmo quando alguma recaída tem lugar, a “chinesa” (ilícita) ou a metadona (legalizada) minimizam maiores estragos.

Todos sabemos que é impossível desmentir que existe droga nas celas. E quando apanhado, qualquer recluso sabe que a sanção é severa. Mas ainda há quem arrisque a penitência: os abrangidos pela Lei n.º 36/96. Aqueles que a esperança de vida anda longe dos valores normais. Daí, alguns de nós pensar que esta experiência piloto possa ser um incentivo a mais consumo e abranger pela negativa, como em qualquer sociedade onde vigore a lei do mais forte, maior número de utilizadores.
Imagine-se o número de gajos influenciáveis, o número de dependentes dum “grupo”, o número de tipos que aceitam qualquer “fuga” para fugir à realidade da puta da vida de uma prisão. Quantos é que dá? Pois…
E não adianta nada interpor providências cautelares visto que os tribunais cível e administrativo “disseram-se sem competência para apreciar a acção”.

No outro lado da barricada está a Igreja, mesmo que veladamente, Rui Sá Gomes (Director-Geral dos Serviços Prisionais), e alguns professores de Direito que entendem esta iniciativa como medida terapêutica. Desde os mais variados tipos de argumentos, o que colhe maior ressonância seria a redução de riscos e danos na propagação das doenças infecto-contagiosas. Parece-me justa tal preocupação. E, como se sabe, apenas em dois estabelecimentos prisionais – Lisboa e Paços de Ferreira – vai ser accionada esta experiência de forma tentada porque serão porventura aqueles que dispõem de cuidados de saúde melhor equipados se alguma coisa correr mal.

Até lá - Fevereiro de 2007 - o debate torna-se imperativo e urgente.