segunda-feira, outubro 30, 2006

Abu Ghraib



“O horror e o drama das torturas sofridas pelos prisioneiros iraquianos na prisão de Abu Ghraib não saem da cabeça do artista plástico colombiano Fernando Botero.”
Fonte BBCBrasil

Veja aqui a Exposição que deixaram os americanos com um amargo de boca.

Verde esperança



A maior parte da comunidade brasileira aqui residente congratulou-se com a reeleição de Lula da Silva.
Depois do pequeno-almoço o sotaque sambista fazia valer a sua musicalidade numa esperança dum futuro mais risonho. Momentaneamente tinham esquecido os motivos reais da sua estadia neste Palacete à beira-rio. Sorriam os olhos e os esgares faciais abriam-se livres e sem grades.

Curioso como um homem tão longe pode devolver a estes gajos a vontade de começar tudo de novo. Só quem os vê, de verde e amarelo, pode perceber que falam mais alto as suas raízes na vez da curte das mágoas pelos disparates cometidos.
Para eles, a semana começa da melhor maneira.

Humanismo em forma de lei



Não adianta muito chorar sobre o leite derramado.
Mas é bom ter uma palavra de apreço quando perdemos um Amigo. Mesmo que seja em silêncio consentido. (link)

Amor com amor se paga



Se existem coisas de que realmente gostamos é de uma boa briga.
O imbróglio em que está envolvido Miguel Sousa Tavares promete. Mais a mais com a encenação que tudo isto está a ter. O blogue que referia um eventual plágio do “Equador” foi sabotado. Em seu lugar (com o mesmo endereço web) aparece agora a Oficina do Livro – a Editora da Obra - com elogios rasgados e traços biográficos em defesa, presumo, do bom nome do referido escritor e jornalista. Coincidências do caralho!
Mas por obra e graça do Santo, a explicação em que se baseia a acusação voltou.

nota: dica do Aspirina B, que por sua vez dicou do Ligações Perigosas.

Só que existe aqui uma ligeira mas importante diferença: se um gajo qualquer me invadisse a cela nada seria resolvido “à paulada”. Talvez “suicídio” soasse melhor. Mas o melhor ainda é que o sistema de comentários só permite, depois de analisados pelos autores, serem ou não referenciados. O que quererá isto dizer? Canalhice?

Depois os “anónimos” somos nós!

quinta-feira, outubro 26, 2006

Testemunhos (8)

(Uma arreliadora lesão numa das mãos travou o processo de postagens no blogue e a feitura do Jornal de parede que editamos todos os meses. Já quase refeito, voltamos à normalidade com mais um testemunho passado por baixo da porta da cela em que medito.)

Medo

O medo é o pior inimigo da gente.
Ter medo é fracasso. Receio de ir em frente, de ganhar coisas, meu irmão. Medo é ameaça constante, pior que uma faca apontada nas goelas ou revólver encostado nos neurónios. Todos nós, detentos, sabemos isso na boa.
Como também sabem, os doentes terminais com câncer, os filho-da-puta no Corredor da Morte lá nos States, os infectados com HIV e a galera que escreve nos blogues. O medo não pode virar aliado, camarada. Tem que enfrentar, hostilizar e matar. Na hora. E quanto mais cedo o galo cantar, melhor.

Eu e o Chefia tivemos um papo sobre isso. E numa de análise circunstancial bastante proveitosa deu p’ra verificar de seguida que topava minha jogada, cara. Tão claro como jogo do bicho: a insegurança atrai essa ansiedade medonha de não se sentir seguro. Não fica assim não. A melhor arma p’ra combater essa insegurança é eliminar preocupação, essa cobra venenosa, e alhear o temor de se fazer respeitar.

Se você tiver valor, meu irmão, o respeito que tiver pelos outros cairá em si dobrando, tá entendendo? É isso aí! Medo é pior que a dor. Dor entra e sai. Medo se não sacudir, fica p’ra sempre.
Na minha cama deito eu. Na tua deita quem você quiser. Mas se medo virar esporte, nunca vai bater recorde.

"Zé Pequeno", familiar de uma das vítimas em Carandirú (SP-1992) condenado a dois anos e meio por tráfego de estupefacientes

Chamar os bois pelo nome

Muitos dos sistemas prisionais no mundo estão falidos. Outros, feridos de morte. E no caso português, não se consegue fugir a essa tendência negativa constatada por nós próprios, pelos directores dos presídios e pela grande maioria dos funcionários judiciais e ministeriais.

Para além de não existir uma verdadeira reforma do Sistema Prisional, não há dinheiro nem vontade política. O legislador anda arredado da realidade prisional e as soluções encontradas até ao momento são apenas pensos higiénicos descartáveis.
Na nossa opinião, a Reforma do Sistema Prisional devia começar nos bairros, nas ruas, junto das famílias carenciadas e na prevenção da delinquência infantil que grassa a olho nu.

Os números falam por si: a escolaridade obrigatória não vence enquanto houver um agravamento de encargos às famílias mais carenciadas. A Saúde está doente, a Habitação tem os canos rotos e a degradação das condições dos miúdos em risco prolifera. Os guetos a que estão entregues fazem o resto. São quase inexistentes os sucessos de um tal Planeamento Familiar e a política de imigração também não ajuda. As pessoas não são incentivadas a valorizar-se nem a integrar-se. Os meios de subsistência colocados ao seu alcance são limitados, quando existem, e a ocasião faz o ladrão.
Por isso, o reconhecimento de todas estas causas no Gabinete de Apoio ao Recluso tem tentado, de várias formas, entender o fenómeno e chega-se basicamente à mesma conclusão: não há condições e na próxima oportunidade os gajos caiem de pára-quedas no primeiro gang que encontrarem. Isto é real.

Não será por mais ou menos policiamento e medidas de segurança que a coisa vai lá. O velho dilema de que ninguém nasce com uma pistola na mão mantêm-se, e se se analisar de perto os relatórios e processos que o Tribunal de Menores tem em arquivo, perceber-se-ão quais os motivos e causas que lançam os putos na rua, no tráfego, na droga, e num futuro muito próximo em coisas bem piores.

Outra das causas de insucesso no combate à criminalidade poder-se-á remeter à falta de formação técnica e profissional no acompanhamento aos grupos de risco. São inexistentes os apoios a que o Estado devia estar obrigado. Afinal de contas, é dele a obrigação de zelar por todos os elementos da comunidade e proporcionar os meios e as condições para que a sociedade se desenvolva e crie prosperidade e riqueza. Isto não é utópico em Portugal comparado com outros países onde a percentagem de criminalidade encolheu e recuperou imensa gente, a princípio duvidosa.

Daí, tentar não me azucrinar quando oiço um gajo que está p’ra sair, dizer: “Quero que tudo se foda! Olha pelas minhas coisas que eu já volto.”

Delito de opinião

Os Grandes Portugueses

Talvez por preguiça ou desgraça, a maior parte das pessoas desconhece que alguns dos Grandes Portugueses, agora que está na moda referi-los, passaram pelas prisões deste país. Pequeno e lindo, mas imensamente carente, pobre e triste.
Camões, Camilo e eu, levámos bordoada e penas compridas. Bocage e Cunhal, também. No entanto, todos nós escrevemos, bem ou mal, as ditas que nos correm pela alma. E os aqui detidos, que são figuras controversas, enigmáticas até, nunca se conseguirão fazer decifrar o que lhes vai no pensamento e muito menos as histórias pessoais antes de a própria vida os ter traído.

O programa que passa na RTP, para além de interessante no abordar da nossa História, irá cometer com toda a certeza injustiças e alguns excessos na avaliação a que os portugueses são chamados a sufragar.
Como tudo, o resultado é relativo. Os “juízes” serão tendenciosamente partidários e alguns dos “réus” sumariamente penalizados.
Ainda bem que é apenas um entretenimento de mau gosto, porque a História dum Povo é coisa séria.

Podemos não ser Grandes Portugueses, mas temos memória. E identidade. Mesmo que seja apenas conhecida por mero número mecanográfico.

quarta-feira, outubro 18, 2006

Exposição mediática



Nestes últimos três meses, a tentativa abonatória na divulgação aos nossos meios de lazer, das nossas situações, das coisas que somos capazes de fazer, têm tido eco nos meios de comunicação social. Mais a Televisão Pública, que deu a conhecer determinados aspectos da vida de um/a recluso/a ou vários.
No entanto, é necessário ir mais longe.

A última reportagem na RTP refere o Estabelecimento Prisional de Paços de Ferreira, onde o Hélder Reis (da Praça da Alegria, e rapaz de boa-vontade), provavelmente limitado pelo Director daquela prisão, não se pôde alongar em questões que são do interesse público e não só. Nosso também. A olaria por exemplo, dito pela própria monitora, é um curso técnicoprofissional que ali funciona apenas como medida terapêutica para preencher os tempos mortos. E ficámos parvos e mortos, ainda mais do que somos. Então e o resto…?
Ninguém abordou de uma forma mais clara os protocolos com as entidades regionais, profissionais e escolares, onde estão inseridas cláusulas muito mais abrangentes no que diz respeito à Formação. Nem as condições precárias daquele estabelecimento correccional. Ou as alegadas violações em Setembro que a Imprensa não divulgou, e a própria (in)preparação do Corpo de Guardas Prisionais ao serviço.
ps - (num estudo por alguns de nós efectuado “sui generis”, é uma das piores prisões em termos de formação)

Não cabe a nós decidir, porque a informação obtida na Internet ou nos canais de informação públicos é o único meio de saber destas coisas. Mas a todos nos parece uma refeição vegetariana, mal preparada, onde a ausência de caça e pesca é notória. E nestas coisas que nos tocam mais no fundo, tudo tem que ter uma definição atendível. Ou é carne ou é peixe!
Bastava ter perguntado ao Director quais as necessidades mais prementes que os reclusos, e a própria directoria, careciam. Quais os desenvolvimentos que o novo Programa da Reforma Prisional abrange e estão a ser postos em prática. Se estavam a ser cumpridos, e que apoios o Ministério teria já disponibilizado ou quais as medidas que o próprio ministro – e o Governo – possuem em agenda.

É que por muita abertura que haja neste nosso Palacete, outras há em que não se toleram mordomias como as nossas.
E na impossibilidade de contactar quem quer que seja em outras reclusões – por alegados motivos de segurança – compete a este blogue difundir estas preocupações e sugerir soluções.

Mas o Ministro da tutela não dorme cá. Nem sequer se digna almoçar numa das melhores vistas p’ró mar.
Por isso, meninas e meninos dos blogues, isentos de aqui virem parar, tentem alertar que a reinserção, deveras apregoada quando "lhes" dá jeito, pode ser a “História da Carochinha”, do “Capuchinho Vermelho” ou da “Bela Adormecida”.

segunda-feira, outubro 16, 2006

Orçamento do Estado (2007)

As medidas conhecidas do OE para o ano que vem, já se estão a fazer sentir. Mais propriamente em casa do Chico “Gembrinhas” da Damaia. Chegado da precária, segredou-nos que a mulher anda à rasca, que a massa não chega e tal… coisas do costume.
Engraçado foi o diálogo dela no queixume:
-Sabes, Chico? De tanto aqueles cabrões mandarem a gente apertar o cinto já me ando a vestir nas lojas de criança.

sábado, outubro 14, 2006

O maior barato *

"Tapa na Pantera" virou curta-piada de enorme sucesso na Internet. Tanto mais que, para além de ser a actual febre brasileira, atingiu os 200 mil visitantes num espaço de quarenta e oito horas. Mais coisa menos coisa.
Aonde? No YouTube, claro.
É um curta-metragem de ficção brasileiro produzido em 2006 que conta a história de uma senhora usuária de maconha há trinta anos, que fala sobre suas experiências com a droga. Veja só!

Maria Alice Vergueiro, é a vovó


Rafael Gomes, Mariana Bastos e Esmir Filho, são os cineastas. Veja também sua entrevista.


* Trabalho de Edvaldo "Perninhas"

sexta-feira, outubro 13, 2006

Sexta-feira, 13



Um dia marcado de infortúnio. De azar.
Um dia marcante de aparições e milagres do sol. Um dia a menos no resto da vida dos infectados por malefícios modernos. Para muitos, desconhecidos até. Hoje o Correio da Manhã traz um pouco de luz e esperança nesses relatos. Falam ao escrever, de problemas que todos sabem existir mas não distinguem. Que calam os gritos que ouvimos por aqui todas as noites. E falam de números que não mentem.

Esta história do Jorge é igualzinha a outros tantos Jorges que por cá se vão definhando. Amargurados pelo tempo que passam em tratamentos sofridos. Doentes de uma maleita esquecida: a puta da Mycobacterium tuberculosis.

quinta-feira, outubro 12, 2006

Ó da guarda



Tal como todas as profissões de risco, ser-se Guarda Prisional não é pêra doce.
Por muito esforço e preparação que tenham, lidar com alguns dos camaradas desta Casa pode fazer os nervos em franja a qualquer um. E em caso conflituoso, as coisas devem passar-se da mesma forma em muita boa casa de família.

Não é que da profissão possamos ter um carinho especial. O estarmos em campos opostos já é um entrave. Todavia, é-me permitido que aqui deixe uma palavra de compreensão para aqueles que há mais primaveras nos acompanham dia e noite.
Quer se queira ou não, ganha-se empatia com os que são mais simpáticos, mais atenciosos e mais justos. Uma espécie de Síndroma de Estocolmo ao contrário.

Depois existe um contacto muito perto que nos permite ver se a disposição de ontem já não será a mesma de hoje. Isso acontece a todos, e preocupamo-nos. São pessoas com os mesmos problemas e/ou alegrias como qualquer mortal. Riem, choram, gritam, e sofrem com as cores do clube que escolheram. Constituíram família, têm filhos, carro em prestações suaves, casa p’ra pagar com um ordenado que não me parece famoso, e as merdices do costume que todos devem conhecer. Talvez por estas e pelo outro, tivéssemos escolhido o que trouxe para aqui substancial parte dos inquilinos (rs).

Como também será verdade que não se facilita muito o seu desempenho. Para alguém que já tenha tido de perto alguma experiência de como se vive numa prisão, perceberá o que aqui transcrevo. É normal em qualquer reclusão. Daí, termos reuniões para encontrar um ponto de equilíbrio entre todos, e que a vida diária que aqui se vive, quer por uns quer por outros, seja a melhor possível.

Daí que, da minha parte, veja um Guarda Prisional como qualquer vizinho que mereça respeito. Que conviva em tratamento amistoso. Que tenha em atenção as pequeninas coisas que são parte desta amizade quase obrigatória. Sempre em reciprocidade.
Outros, porventura, não poderão dizer o mesmo. Mas eu digo.

terça-feira, outubro 10, 2006

Inclusão e Sidadania



Um dos Roteiros presidenciais para a Inclusão é iniciado hoje com uma ida às putas. Seguir-se-á os sem-abrigo, os idosos e os voluntários. Com o nome pomposo de “Voluntariado e Exclusão Social em Meio Urbano”, visa realçar a importância do voluntariado e dar a conhecer casos de exclusão no destapar o véu a esta Lisboa.
Isto foi o que Visão Online e o Sapo nos informaram.

Agora o que gostaríamos de saber é em que franjas sociais nos encontramos nós, professor? Já que não constamos do seu Roteiro.
Nem nós, nem este voluntariado que em boa hora aqui chegou. *

*texto anotado e aumentado

segunda-feira, outubro 09, 2006

Noites mal dormidas...



são todas aquelas de domingo p’ra segunda.
Primeiro porque não se consegue adormecer devido à azáfama e desgaste psicológico que o próprio domingo abrange por razões já aqui explicadas. Segundo: é a noite onde os que rezam mais sonoramente, e onde o silêncio deste nocturno que confrange, mais sonante permite decifrar todas as preces.

Quase impossível saber ler o que vai nestas mentes acordadas.
Mas pela experiência adquirida, calcula-se que não sejam agradáveis. Estou a falar de putos com vinte, vinte e um anos, que a robustez física não tem nada a ver com a estrutura mental em crescimento. São miúdos feitos homens à pressa. Rapazes que a pobreza, a ignorância, as infra-estruturas sociais (ou a falta delas) os encaminhou para os caminhos do risco mais fácil de correr. E quando escrevo correr, também o faço da forma mais literal que se conhece.

Cada cama de corpo e meio, liberta imagens reais num fazer as contas à questão que se coloca: porque estão todos estes jovens aqui? O que falha no sistema político do país real que permite que toda esta malta se rebele, se perca e se desgrace de forma pouco abonatória para os responsáveis que deviam olhar por estas almas nos caminhos que podem não ter regresso? Onde moram as oportunidades que a Constituição permite a quem falhou a primeira vez?
Os varões da cama onde encostamos as cabeças não nos dão resposta. As respostas de outras cabeças também não chegam cá, e mantêm-nos com as olheiras dilatadas.

Ainda por cima, confrontados com o discurso do novo PGR, ficamos convencidos que a luta desigual que travamos, continua. A crer na notícia de hoje do DN.

sábado, outubro 07, 2006

Porque hoje é sábado



“Impossível fugir a essa dura realidade.
Neste momento todos os bares estão repletos de homens vazios,
todos os namorados estão de mãos entrelaçadas,
todos os maridos estão funcionando regularmente,
todas as mulheres estão atentas.
Porque hoje é sábado!”

Vinicius de Moraes


No levantar pela manhã ao som estridente dum toque que nos é familiar, sabemos de antemão que hoje é sábado. Um dia da semana em que os advogados estudam processos e ultimam recursos. Um dia em que os juízes estão de folga e os tribunais se encontram encerrados.

Ao contrário de outros estabelecimentos de diversas ramificações comerciais em que a vida pára, uma prisão está sempre aberta. Aberta às visitas, aberta às ideias, renovadamente aberta à mudança da roupa da cama.
Sem dramas, um sábado neste Palacete onde as empregadas domésticas não existem, somos nós que realizamos a manutenção desta casa de família. Provavelmente igual aos mecanismos da própria casa dos que passam por aqui. Ele é o pó, as arrumações, as limpezas às latrinas e celas onde as barras de ferro não se descuram.

Mas ser sábado neste espaço tem vantagens acrescidas. Dá a ideia que as pessoas acordam mais bem dispostas, menos agressivas e com a sensação libertina de quem vai ser posto fora de portas. É o caso do Daniel.
Eram seis da matina,e já estava ele, todo alterado, a olhar para o relógio de parede que tenho no meu apartamento a repetir-se: “- É hoje, mano! É hoje.”

Para quem não lida com situações idênticas, existem sábados que nos ficam gravados. Este é mais um deles, onde nos fica um nó envolto na garganta e não se consegue resistir a uma puta de uma fagulha que nos entrou pelos olhos dentro no olhar d'alegria dele. Na nossa tristeza em volta daquele espaço que por ora está vazio.

Sábado é, e será sempre, um dia bom para se ir viver a vida.

quinta-feira, outubro 05, 2006

O 5 de Outubro


Foto Diário Ateísta

Vai longe o tempo das cabeças coroadas, dos anéis, dos diamantes e rubis, da ostentação na mais fraca monarquia da Europa em 1910 que pariu uma não menos reles República como mais tarde se veio a comprovar.
Ávidos de saber, hoje, para além de termos rancho melhorado (porque é feriado), descobrimos que Universidades várias disponibilizam documentos e relatos históricos dos acontecimentos mais importantes da nossa História. E quase por acaso, fomos dar à Universidade do Minho que nos proporciona uma leitura agradável do que aconteceu há noventa e seis anos atrás.

Esta pequena introdução serve apenas para constatarmos que “o nosso 5 de Outubro” aconteceu quando a visão do nosso Director, homem íntegro, justo, e com uma capacidade modernizada do fenómeno prisional, nos facilitou o contacto virtual com uma realidade que vamos poder encontrar fora destas quatro paredes. Onde a cidadania participativa nos pode fazer voltar às nossas responsabilidades.

Ele será sempre o nosso António José de Almeida. Nós tentaremos sempre ser os anarco-sindicalistas e revoltosos das indústrias conserveiras em luta pela melhoria das condições presidiárias. Os que por aqui se vão ilustrando serão sempre os civis sargentos e praças que, incondicionalmente, nos dão apoio e razão de ser a esta experiência piloto no estabelecimento prisional mais virado p’rá frentex do país e acabar com o feudalismo das ideias.

O Eng.º Sócrates devia saber disto. O Dr. António Bernardes Costa também. E já que estamos com a mão na massa, uma referência ao assunto pelo Prof. Aníbal António Cavaco Silva, que das suas primordiais preocupações esta não consta, não seria descabida.
É que para além de nos sentirmos justamente penitenciados, ou não, desejaríamos de nos reabilitar mais cedo do que está previsto. Falta essa reforma que os herdeiros daquele 5 de Outubro, que Afonso Costa tinha previsto, não podem, nem devem, descurar.

Agora vamos hastear a bandeira que nos move e passar revista às tropas em parada.



Powered by Castpost

quarta-feira, outubro 04, 2006

Dia Mundial do Animal



Este dia, celebrado em mais de quarenta e cinco países desde 1930 (informação garantida pelo próprio site do evento), também podia ser o nosso. O nosso Dia Mundial do Preso. Sem patrono. Onde nem Francisco de Assis nem a Unesco nos poderá valer.
Tal como todos os animais, e bem vistas as coisas, levamos uma vida semelhante aos que se encontram retidos em zoo’s, em cativeiro, engaiolados, alguns até em extinção. Tal como eles, temos grades como janelas e muros a cercarem o nosso espaço. Um catre onde nos esticamos na hora da recolha e uma malga onde nos colocam alimentos.

Tal como eles, também nos miram do lado de fora com a curiosidade própria de qualquer bípede. A única diferença é que não nos atiram amendoins ou bananas, mas vivemos no limiar de uma vida abaixo de cão.
Vivemos hibernados para lá do tempo imposto porque, ao contrário das feras soltas, a prisão continuará para além da nossa libertação. É uma mancha que fica. Uma listra que não nos sai da alma e do corpo envelhecido.

À semelhança dos animais de estimação, também nós em determinadas alturas gostaríamos de sermos adoptados. De sermos afagados de igual modo como quase todas as crianças o fazem aos seus gatos e cães e periquitos. É que para além no nosso aspecto bárbaro e semi-selvagem, e sem que ninguém o possa calcular, existe um instinto afável e ternurento em cada um de nós. Explicito de forma diversa, tal como em todas as espécies zoófilas.

Por isso, este Dia Mundial do Animal bem podia ser também o nosso.
Sem correr o risco de ficarmos de trombas.

terça-feira, outubro 03, 2006

Na penumbra da noite



Temos por hábito sermos filhos do nocturno, o outro Zeus dos crentes deste Olimpo que é só nosso. Originários de dias em que se não dorme, para arquitectar planos para que na noite seguinte podermos manter todos os sentidos em alerta.
Qualquer deslize pode ser a morte do artista. É da praxe e ganha forma.

Em qualquer biblioteca itinerante, ou até mesmo na nossa que não é móvel, encontramos nos mestres do sonambulismo literário (Sócrates, Aristóteles ou Platão) indicações de que a forma de agir e de pensar livremente se faz melhor à noite. Depois de uma lauta refeição de carne guisada de origem desconhecida, bem regada com sumos sem corantes onde as ideias e estratagemas possam fluir de modo mais conveniente, lá vamos nós para mais uma sessão do reflectir "orgulhosamente sós" sem sermos do tempo da "outra senhora". Antes pelo contrário.
Daí, o transmitir sem autorização, mas com uma enorme carga de cumplicidade, alguns bilhetes que me aparecem sob a porta da minha cela sempre aberta.

“Fui criado à revelia e de forma agreste e alterada. Órfão do país que me criou e padrinho daqueles a quem a triste sina de ser pobre sacrificou. Fiz o que fiz e não me arrependo.”
Nuno “Star”, seis anos de penitência que recusa advogado

“Escreve lá, e diz a esses gajos que não esqueçam que, alguns de nós que estamos presos, demos o coirão por Portugal e a forma de nos pagarem foi a de nos mandarem p’ró caralho. Tentei sempre ser honesto mas houve um dia…”
Júlio “Pára”, ex-combatente da Guerra Colonial – condenado por assaltos vários à mão armada

“Quando violaram a minha filha nem olhei p’ra trás. Gastei o meu último ordenado na arma onde gastei os últimos cartuchos. Ganhei os anos que sabes, mas fodi o filho da puta! O que é que tu fazias?”
Paulo “Ás”, condenado por homicídio premeditado

Densidade populacional



Como em quase todos os presídios, o nosso Palacete também se encontra em estado de superlotação.
Um dado adquirido, que ao contrário do que dizem as estatísticas da criminalidade, as minorias étnicas e outros forasteiros que tentam a sorte em Portugal (a gente chama-lhes outros nomes), acabam por romper com os números que aí fora se conhecem.

Desde ciganos, ucranianos, africanos e o diabo a sete, todos nós tentamos ganhar respeito e lugar num espaço cada vez a ficar mais pequeno. O nosso Director sabe disso e o ministro também.
Por muito que se tente esconder a verdade matemática da situação, a densidade populacional nas prisões aumenta a cada dia que passa. Basta ler as páginas que tratam do assunto no Correio da Manhã, no 24 Horas ou n’O Crime, para se poder constatar aquilo que digo.

Depois, existem problemas variados, e graves, que não se abordam por temor ou tabu. Lendo as notícias diárias, damos conta de que o mau tempo, um desastre aéreo, as eleições brasileiras ou a derrota de um dos “grandes” do futebol português, tem mais encanto. A sucessão do novo Procurador-Geral da República também, tal como o lançamente do livro "Direito ao Assunto" do anterior que não deixa saudades. Esquecem rapidamente o problema das seringas, das salas de chuto e, mais importante ainda, das causas que originam o aparecimento de novos delinquentes.
Nós, aqui dentro fechados, percebemos a ocasionalidade mediática. Mas não esqueçam esta realidade que afecta quase tudo e quase todos.

Permito-me saber que a causa primeira poderá ser a inadaptação – e/ou a falta de apoio e infra-estruturas para os novos braços da força laboral dos nossos dias – que na falta de meios de subsistência diária, incute o vício do desenrascanço, tão português, que esta malta adopta mais facilmente: o ir roubar p’rá estrada.

Para além da Saúde, do Emprego e da Educação, que todos nós sabemos andar pelas ruas da amargura, também se sabe que o sistema prisional e penal vai sofrer alterações. Boas ou más, é sempre uma incógnita. Mas será legítimo pensar que as soluções adiantadas quando o tema vem para a rua, não sejam esquecidas nas gavetas das secretárias ministeriais que ficam anos inteiros por abrir.

Apenas por uma única e exclusiva razão; nenhum de nós gosta de estar cá dentro!

segunda-feira, outubro 02, 2006

Post reciclável

Homem que se preze não é equídeo! Nem besta-quadrada, irracional, besta ou cavalgadura. Muito menos asno ou jerico. E como “a pensar morreu um burro”, de regresso ao convívio de quem cá deixámos, damos com a linda figura de ficarmos com cara de parvos perante as pessoas que vieram por aqui neste espaço de tempo curto.

Tinha-nos bastado a simbólica referência que o Eduardo, o José, o Fadista e a Thita (já referidos num post aí p’ra baixo), nos tinham feito quando nos descobriram. Mais o Luís Gomes, o Py, a Raquel, a Ana e a Tânia, ou todos quantos nos acompanharam de princípio com palavras que memorizámos, e mais ainda daqueles que agora o nome não me ocorre.
Agora o Jumento (um blogue que calculamos de referência quase obrigatória) lixou-nos bem lixados.

Como se deve calcular, a maior parte de todos quantos aqui dormem obrigatoriamente, não sabem receber. Eu próprio vejo-me encalhado em certas e determinadas etiquetas sociais.
Por isso, não sei como retribuir a gentileza de toda esta rapaziada – homens e mulheres – que gastaram aqui um pouco do seu tempo e deixaram palavras de conforto e de carinho.

Alguém me pode explicar como se retribui este sentir pelos blogues?