sexta-feira, setembro 29, 2006

Saídas precárias


Custóias

Tal como os grandes semanários, os grandes escritórios, as grandes fábricas, também nas prisões a sexta-feira é um dia em que se mistura angústia e ansiedade. Nem sempre, é certo, pelos melhores motivos ou causas, mas é o tempo de ver como estão as coisas, fazer as malas e ultimar preparativos.
No entanto, estas saídas precárias que os menos penalizados e mais bem-comportados são quem mais auferem, existe a diferença de vermos o fim-de-semana com outros olhos.

De modo algum nos arrebata a sensação de que se vai para casa para descanso ou de fazer planos de viagens ou passeios. Como que escondido atrás de um biombo, está uma sensação esquisita de perda, de despedida, daquela vida a que se está habituado. Das amizades que criaram raízes na malfadada sorte que nos calhou e do que já alguns consideram a sua própria casa.

Se num dia acontecem várias coisas, numa semana, que quase nem damos por ela passar, podem acontecer situações imprevisíveis que transtornam qualquer um.
Saber que um gajo nosso amigo levou com um balázio nos cornos numa rixa de bairro, não deixa ninguém indiferente.
Constatar que os pais se zangaram outra vez e ouve móveis partidos, também não me parece que sejam as melhores boas-vindas. Ou que a irmã foi assaltada (veja-se só o paradoxo). Ou a avó não ter dinheiro para os remédios. Ou que os miúdos não foram à escola e andam a iniciar-se naquilo que dá mais dinheiro.

Não sei de muitas soluções para alinhavar o comportamento humano desta gente, mas noto no olhar deles a expressão de que muitos gostariam de ficar. Talvez porque nunca saibam o que vão encontrar lá fora.

O nosso fim-de-semana, por vezes, é uma merda. É que nem o Benfica nos alegra.
Tenham vós, os que por aqui vão passando, melhor sorte. Até segunda.

quarta-feira, setembro 27, 2006

Testemunhos (7)

O Daniel (nome fictício) acaba de saber que lhe está reduzida a pena. Para além de outras coisas, por bom comportamento. Sai p'rá semana que vem.
Quem o conhece, sabe que foi uma criança criada num ambiente lixado e de cortar à faca. Nós, que lidámos com ele durante vários meses, nutrimos um especial carinho pela sensibilidade demonstrada ao longo de todo esse tempo.

E eu, com a mania de psicólogo, dedico-lhe este vídeo.
A ele, e a todos, que a falta do gesto que se pode ver, por vezes, evitaria que putos do género viessem dar com os costados nesta merda.

Testemunhos (6)

Leio algures, com a alma pungente de frustração, que os lenços brancos ontem mostrados na Luz, (sou benfiquista) são sinais dos tempos que correm. Como diz Fernando Alves, que ouvimos atenciosamente todos os dias, existe uma paradoxal fantasia deste povo português no que toca aos nossos heróis e mártires. Coisas que a História nos conta. Coisas da alma de quem se encontra constrangido. Amaro e sôfrego, por uma vida que nos vai passando ao lado. Adjacente ao sacrifício de todas as horas. De todos os momentos em que se ouvem sons de portas por abrir.

Tal como qualquer pessoa que viva de emoções, também nós acartamos o fardo pardo dos nossos próprios dias. Talvez cinzentos ou de agonias. Talvez berrantes, como aquelas vozes e assobios, onde a cor que mais a vista fere, se confessa.
Tal como cá, aí por fora as coisas não andam melhores. Pouco importa sol ou sombra. Camarotes de onde nos olham engenheiros e doutores. Garrotes que nos atam as mãos e a vida do arrependimento que gostaríamos de libertar e de levar.
Mas não se pode voltar atrás neste impressivo jogo!

Aos lenços brancos de despedida, nem Grécia e Tróia se pouparam. E apupos e assobios servem-se neste cárcere como sobremesa. Na rivalidade existente onde, pelo menos, se choquem dois ser humanos. Dois destinos diferentes na maneira de ser e de estar. De pensar, até.
E a vida não passa de um mero jogo de dualidades que se quer sempre vencer. Mesmo que não saibamos as regras.

Victor d’Alzira (Galinheiras City), condenado a quinze anos e seis meses que, diz ele, abusou do sumo de maçã ontem à noite.

segunda-feira, setembro 25, 2006

De noite a madrugada



"A minha vida é um barco abandonado. Infiel, no ermo porto, ao seu destino. Por que não ergue ferro e segue o atino de navegar, casado com o seu fado?"
Fernando Pessoa

A leviana vida que levámos trai-nos as razões. Toldam-se as memórias duma infância que podia ser feliz. Sobraram despojos duma existência que não cremos seja a mais justa.
É o fado da triste figura. Dos anéis que não cabem nos dedos da amargura, das pedras da calçada que pisámos, e dos sonhos que perdemos nos caminhos por onde andámos.
É segunda-feira. Dia nostálgico só de o pensar, de o reflectir, de rever o filme destas vidas que se encostam nestes muros que contam coisas. Que se arrastam. Que se perdem por estes corredores gélidos e vazios.
É um olhar sobre o nada que nos cerca.
É a obscuridade que nos assalta.
É o medo de enfrentar o nosso fado.

sexta-feira, setembro 22, 2006

Blá-blá-blá

Correndo o risco de nos repetirmos, é impressionante dar uma vista d’olhos por estes cinco meses que temos na blogosfera.
Para além do acesso a quase toda a informação e descoberta, vemo-nos rodeados de gente na ribalta da sociedade portuguesa como se tivéssemos sido colegas de carteira. É quase um tu-cá-tu-lá magistralmente atractivo. Claro que não vamos referir nomes, porque toda a gente os conhece. Até os próprios (rs).

Conhecer a vida de um recluso não tem nada de extraordinário comparado com a magnitude de podermos ler o que escrevem jornalistas nas horas vagas e sem estar sob o chicote da deontologia. Saber que um advogado arranja tempo para dissertar sobre os seus processos, os seus casos e clientes num blogue, é arrebatador. Saber de antropólogos, cineastas, fotógrafos e poetas, é deveras delirante. Isto sem falar dos ex-ministros, ex-deputados, ex-maridos ou ex-mulheres, que nos dão a conhecer um pouco da sua vida além daquela que a malta já conhece. Ou mesmo fadistas, recém-licenciados, actores, gente de capa das revistas cor-de-rosa e tantos outros que auspiciam um melhor futuro.

Em tom de brincadeira, costumo conversar sobre o assunto com os residentes deste Palacete com janelas viradas p’ró mar, sobre a forma de como conseguiram alterar alguns mecanismos a quem se interessa por se regenerar e aprender.
Já fazemos a cama e a limpeza do quarto, gratuitamente alugado, mais rapidamente para podermos estar aqui e aí donde nos olham. Já temos motivos de sobra para nos dedicarmos de alma e coração às coisas novas que muitos bloggers ensinam, e já fomos alvo elogioso dos Serviços Prisionais.
Gastamos mais papel e utilizamos as canetas em troca da “seis tiros”. Numa frase; estamos melhor servidos sobre a própria reintegração do que qualquer governo podia dar.

Só podemos agradecer a oportunidade ao Director.
E também desde à malta anónima e talentosa que vai passando, até aos mais recíprocos no que toca à atenção que nos dedicam. Desde gentinha de palmo-e-meio, que volta-e-meia nos visita e nos faz sentir como se estivéssemos a lidar com os nossos próprios filhos, até aos mais curiosos que se espantam por saber que existimos.

Vamos tentar trazê-los todos para aqui (salvo seja), para conseguirmos estar mais perto desta realidade social que um dia vamos encontrar lá fora.

Bom fim-de-semana!


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quinta-feira, setembro 21, 2006

Criminalidade comum

Sob o manto diáfano da fantasia, a noite aconchega-nos à reflexão da nudez forte da verdade. Do dormitar sobre os crimes porque estamos condenados. E muitos de nós, se pudesse existir um retrocesso na existência, metade dos actos praticados deixariam de constar nas nossas vidas e acusações.

O crime não compensa é hoje um conceito ultrapassado.

Por todo o mundo a criminalidade aumenta tanto quanto a esperança de vida. Surgem até novas formas de roubar, matar, ou expropriar indevidamente os membros de todas as sociedades.
Entretanto, dizer que a ocasião faz o ladrão tem mais razão de ser. Faz mais sentido. E prolifera.

No silêncio da noite, o próprio ruído das frias almofadas já rasteiras pelos anos em que descansamos as ideias, indica-nos pensamentos quentes e extras sobre o comportamento de gente anónima. Gente que não parte um prato, e que é considerada como exemplo em meia centena de metros quadrados. No entanto, a maior parte deles rouba perfumes no supermercado, não devolvem o troco a mais que receberam no café, aproveitam-se da distracção do motorista para não pagarem bilhete nos transportes. Enfim, crimes menores de gente que apenas vemos uma vez.

Já outros, mais famosos, continuam respeitáveis nos seus cargos de chefia, e têm o aval dos subordinados mesmo que encham o depósito à custa do Estado e vão levar os filhos ao colégio. Ou mesmo que usufruam de direitos, e outras mordomias, a que não estão sujeitos, e aproveitem na hora de trabalho para irem às compras ou ao cabeleireiro. Ou façam contratos milionários com agentes imobiliários, construtores, e outras áreas onde a corrupção penetra.
Estes a malta conhece. E nem sequer estarei a referir a Política, essa porca, nem o Futebol, esse desastrado, que normalmente andam de braço dado.

De modo algum estaremos contra tudo isto, já que alguns de nós se aproveitaram das falhas do sistema. Apenas nos rimos pela hipocrisia existente nos meandros destas leis, onde a riqueza adquirida não é compatível com a actividade que estes novos delinquentes exercem.
Só para que conste, porque estas pequenas constatações são apenas o resultado duma noite mal dormida.

terça-feira, setembro 19, 2006

Sexta-feira, 15



- Doc, como é que foi?
- Na boa.
- Resultados?
- Só para a semana que vem.
- Fixe, meu.

Um diálogo de corredor. Curto. Tal como algumas vidas futuras desta população reclusa onde ainda alguns se recusam mandar a toalha ao chão.
Para outros, falar de Baudelaire pode soar-lhes a cozinheiro francês ou uma bebida que ainda não provaram. Stendhal então, mais parece um esticador para secar roupa lavada, enquanto em conversa enviesada, Picasso ou Eusébio já lhes dizem qualquer coisa.

De modo nenhum estes gajos que me acompanham, já fazem tempo, não são de todo burros.
E por vezes, meditando no alpendre com a cabeça entre os joelhos, deliciando o sol que me bate nas costas a oeste, pergunto-me do futuro desta gente. É um desafio arriscado prever conclusões. Mas aquele “puto” merece o curto diálogo de corredor, e apostamos nele todos os nossos sonhos fracassados.

Era giro, um dia, vê-lo ocasionalmente numa das ruas de Lisboa e dizer-lhe: “Bom dia, sô doutor!”

segunda-feira, setembro 18, 2006

O perfil


Foto SIC no Sapo

Este substantivo que possui várias interpretações linguísticas sempre me intrigou. Não sei se por gostar de pintura e fotografia, ou de o ouvir repetitivamente.
Quando trabalhei numa grande empresa, muito eu ouvi o aconselhamento “tem que ter perfil!” para a tal vaga que (ainda) não tinha “cunhas”. No meu clube, assisti a algumas referências, no mesmo sentido, quando se precisava de encontrar um treinador ou um presidente. Para não variar, a política não foge à regra e hoje em dia anda-se à procura do perfil para o próximo Procurador-Geral da República. Será que Pinto Monteiro o tem?

Mas afinal o que é um perfil?
Terei eu perfil de bandido só porque fiz um desfalque? Se assim é, estou a pagar caro por isso. Os camaradas de caserna aqui do Palacete terão perfil de assassinos, contrabandistas, traficantes? A mim sempre me pareceram mais “homens de negócios”. Empresários. Malta da vida e da noite que tiveram azar e foram agarrados.

Dá-me mais gozo pensar em perfil daquela forma que se diz quando se vai na rua: “Epá, viste aquelas silhuetas desenhadas na blusa daquela loira?” Ou então reflectir que “os traços daquela morena dizem-me qualquer coisa!”
“Contorno”, por exemplo, já me deixa mais assexuado. Faz-me lembrar formas redondas, delineamentos femininos à rédea solta. Gráficos específicos que se podem detectar sem sermos vistos.

Ter cadastro é lixado. Mas ter perfil parece-me coisa de mariconços. Digo eu.

quinta-feira, setembro 14, 2006


Foto Diário Digital


* A Notícia (in Correio da Manhã)
* O Constitucionalista (José Joaquim Gomes Canotilho)


Ao contrário da opinião da esmagadora maioria dos entendidos da bola, gostava que o constitucionalista fosse meu advogado de defesa. À luz do Direito Constitucional e dos Direitos Humanos o meu processo teve algumas irregularidades. E pela visão que o Dr. Gomes Canotilho tem de alguma criminalidade fazia-me um jeitão os seus conhecimentos da Lei.

Acho que vou recorrer da minha sentença, tentar que o meu julgamento seja repetido e telefonar-lhe (um direito que me assiste). Se o ilustre personagem aceitar, estou convencido que estarei cá fora em menos de três tempos.

Aconselho vivamente os arguidos no Processo Casa Pia a fazerem o mesmo.
E os da ponte Entre-os-Rios, Caso Joana, Saco Azul, Mateus Rosé, e outros que agora não me lembro.

quarta-feira, setembro 13, 2006

Amor atrás das grades

(passa hoje à noite na RTP, numa reportagem de Alberto Serra)


Já explicámos aqui que para além do delinquente, considerado na generalidade bronco e duro, existe um amontoado de afectos e sensibilidades dentro do seu peito que passam ao lado dos olhares comuns. Para além deste caso, que logo mais será conhecido, sabemos de outros com outras nuances que deram resultado e fazem a parte boa das memórias que nos ficam do cárcere.

Provavelmente, como todas as reportagens realizadas por gente alheia e externa ao fenómeno das prisões, conterá algumas inexactidões ou defeitos profissionais por arrastamento. Mas estará muito próximo da realidade dos casos que conhecemos.

Fica o apontamento. Depois gostaríamos de saber a sua opinião. Pode ser que ajude os mais novos a não desistir tão facilmente das oportunidades que nos restam quando vos lerem, e possam acreditar que um dia também podem aspirar a uma vida normal.

É que ao contrário do que se possa supor ou pensar, também existe amor e vida para aquém destas grades de aço maciço.

Obrigado



segunda-feira, setembro 11, 2006

Impacto!



Passados que foram cinco anos sobre, dizem, um dos maiores atentados da História, não me comovem as imagens (já vi bem piores) nem os argumentos que a alegada vítima – leia-se United States of America - declama.
No rumo da tal História, variados são os exemplos de outros atentados que nos foram dados ver, então perpetrado pelos agora reclamantes.

Num país onde as oportunidades, dizem, são iguais, parece-me obsceno a tentativa do branqueamento da acção de Legítima Defesa consagrada nos cânones de Direito que tanto defendem. Dizem eles.
Tal defesa é-nos familiar porque nos recorremos dela para justificar, ou tentar atenuar, as acusações que estão inseridas no nosso próprio processo. Para além de outras, claro. E os nossos advogados sabem disso.

Geralmente, uma agressão é a réplica a uma outra. Fundamentada/justificada ou não, seria outra conversa. Temos por aqui vários honrados cidadãos que se viram envolvidos por reagirem a atentados e usaram de legítima defesa para salvaguardar bens e pessoas. No entanto, estão condenados.

Claro que ninguém no seu perfeito juízo se alegra com a morte de gente inocente, mas estamos a falar sobre interesses económicos e políticos que a administração norte-americana adoptou. Isto faz lembrar-me de em criança ter sempre ouvido dizer que “Quem vai à guerra, dá e leva”. E este leva-me a outro de origem chinesa e reza mais ou menos assim em livre tradução: “Quando matares uma formiga, certifica-te se está morta. Porque pode um dia transformar-se em tigre”.

Traduzindo toda esta situação, retenho que a ideia com que fiquei desde o início é a de que eles estavam a pedi-las!

domingo, setembro 10, 2006

Desigualdades



Aqui há tempos li numa entrevista feita por Ricardo Jorge Costa, jornalista que mais parece ser uma dupla de centrais, a Angelina Carvalho, licenciada em Línguas e Literaturas Modernas pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto, em que afirmava, e passo a citar, “A escola é reprodutora de desigualdades sociais."
No tema que serviu de tese num dos seus trabalhos, a Lina refere-se propriamente à escolarização e ao ensino em Portugal.
Acredito que tal análise tenha alguma razão de ser porque presenciei as ditas nos betinhos da minha escola antes de entrar para a Faculdade real da vida, e a faculdade que nos permitiu escolher o “curso”.

Eles eram mochilas da Nike com três bolsas. Eles eram canetas e lápis e cadernos das melhores grandes superfícies. Eles eram endinheirados e petulantes com a mania que eram bons, e isso era fodido para quem não nasceu com o cu virado para o satélite. Uma das causas fortes para explicar tanta criminalidade poderá estar na origem desta simples constatação.

No entanto, desigualdades houveram sempre.
Existem de facto nos dias de hoje, e jamais deixarão de fazer parte do nosso percurso dos anos vividos enquanto não se alterar a ligeireza social de posse, de riqueza, de extravagância e opulência na comunidade.
(Pareço quase um libertário a palrar sobre um palanque, mas sou mais do tipo libertino a quem o dia de amanhã pouco importa. Por razões óbvias)

Novos nestas andanças da banda larga, a quem nos foi dada a oportunidade de exprimir alguns estados d’alma que um Programa Prisional nos resguarda a retaguarda, detectamos que na Internet não é diferente. Nem nas visitas aos domingos desta gente que vem de longe para beijarem uma espinha que lhes está atravessada na garganta.
Ou, propriamente, em qualquer lado onde as desigualdades de boa gente que vem por aqui sabe que subsistem da limitação do seu próprio trabalho, ou de gente mais comum que tenta sobreviver com o ordenado que tem.

Melhor mesmo é ficar por aqui, na "prisa". Até as coisas melhorarem.

quinta-feira, setembro 07, 2006

A controvérsia das seringas (2)



Em declarações à Rádio Renascença, o presidente do Sindicato dos Guardas Prisionais, Jorge Alves, alerta que vão surgir resistências nas cadeias onde a troca de seringas vai avançar (relembramos que Paços de Ferreira, Lisboa, Montijo e Faro foram as escolhidas), tanto da parte dos guardas como dos próprios reclusos.
Um assunto que já foi aqui abordado.

Meliço Silvestre, infecciologista nos Hospitais da Universidade de Coimbra, também se explica.
A entrevista:



(duração: 7':34'')

terça-feira, setembro 05, 2006

O Homem e o Poder

''Só a raça humana tolera os inadaptados.''

Charles Darwin (Shewsbury, Shropshire, 1809 - Down, Kent, 1882)


Na história da humanidade o Homem sempre se considerou o ser perfeito.
Nada mais errado. Lendo um pouco dos entendidos que tinham tempo para pesquisar sobre estas coisas, e que já desapareceram da face da terra há muito tempo, o bicho-homem (civilizado) é dos animais aquele que mais se desenquadra da Mãe-Natureza. Por isso sente necessidade de conquistar território e dominar os mais fracotes duma forma anti-natura. De ser um predador que finge capacidades que não tem.

Os leões e os gatos mijam nos arredores do seu espaço para afirmarem que “Aqui ninguém entra, ou temos sarrabulho!”.
O Homem não. Mija em locais onde se estadia e utensílios feitos a propósito. Daí, a forma de se afirmar ser diferente.
Nos tempos idos da era do fogo, do ferro e do bronze, optava pela força bruta e demonstrações de poder em sonoridades que nada tinha a ver com inglês, português ou castelhano. Sempre era uma forma de os mais fortes sobreviverem quando ainda não tinham descoberto o sal para temperar a carne crua das vítimas que fazia. Inclusivamente, para a continuação de uma espécie assim, as fêmeas só procriavam com os mais desenrascados, seguindo o natural curso dessa casta.

Hoje já não é assim. A vivência gregária originou outra aposta na conquista do território e na afirmação do próprio ego. Pode apontar-se na actualidade os casos da luta pelo poder das classes judiciais ou do foro desportivo por um poder desmedido e sem tréguas.
De todas as formas de sociedade, estas são as únicas semelhanças em que tanto se vive aí como aqui. Uma forma vergonhosa de afirmação que sempre contestei.

segunda-feira, setembro 04, 2006

Testemunhos (5)



A minha estória não é nem mais nem menos do que semelhante às dos que vieram aqui parar. Mete-se a pata na poça e zás... somos apanhados e metidos dentro para acalmar. O meu crime não é de sangue mas a expiação a que fui sujeito coagula.
Ao pé de alguns companheiros destas armas até serei um santo que das asneiras efectuadas transforma em solidariedade absoluta, e consigo sentir-me um deles a remar do mesmo lado. Afinal de contas, estamos todos no mesmo barco.

As estórias da maior parte deste banditismo precoce, em alguns casos, confundem-se com o passar dos 80’s. Tempos de mudanças a nível mundial com jovens em constante mutação social que marcaram esses momentos.
E como a criminalidade já vem de longe (igual à fama do Constantino), onde a antropologia pode explicar e a sociologia determina, esta geração que foi considerada rasca, tem aqui a plenitude do epíteto no que diz respeito ao desenvolvimento do seu estatuto de recluso.

Tal como a História deste Portugal, grande e pequenino em épocas marcada, também nós passámos por glórias efémeras e calamidades. Há até quem acredite que nascemos (os delinquentes) com o destino marcado, como canta o fado que um amigo nos dedicou, e como grande parte dos portugueses tão bem se encaixam nele. Mas podemos aproveitar o que de melhor pode advir das situações que nos ofertam, como já referiu o João Almerindo num post abaixo.
É tudo uma questão de escolha. De atitude, acrescentaria.

Quando mereci as honras e os convénios dos justiceiros, pensei que a minha vida tinha chegado ao fim. Um percurso breve que a sorte madrasta delimitou. Enganei-me.
Nos oito anos que apanhei (serve de resposta ao Rui Gustavo, do Expresso), aprendi a lidar com a pressão dos que não aguentam esta coisa de estar preso. Uma claustrofobia diferenciada que nos pode encostar à parede e nos aproxima do juízo final que, ninguém no seu perfeito entendimento da questão, pode colocar de parte.

No entanto, tendo a oportunidade de muitos de nós nos regenerarmos, há coisas que nunca mais conseguimos recuperar por muitas empatias que possamos ter. A realidade mostra-nos tudo isso ao começar pela reintegração.
Se não disser quem fui, desenrasco-me. Se disser quem sou, estarei no mesmo patamar como qualquer um que nos lê e, provavelmente, ninguém irá questionar de onde vim.
Digo eu.


Acompanhamento de Teresa Salgueiro.

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sábado, setembro 02, 2006

Testemunhos (4)



Ao contrário das pessoas que têm uma vida normal, no Palacete vive-se uma vida diferente como facilmente se consegue supor. Tal como as diferentes vidas que cada um de nós tem para contar. No caso presente, é mais um testemunho de um imberbe que foi agarrado nas malhas da lei, faz alguns anos. Puto ainda novo, já com cadastro qualificado após determinado tempo, soletra entre raivas e impropérios a sua própria estória de menino.

“Nasci numa casa de putas e nunca me foi dado conhecer a minha origem paternal. Servia como isco nas saídas nocturnas das Princesas – como naquele tempo as chamavam - e ver as montras para angariar cabritos. Sempre rendia mais umas guloseimas com que me presenteavam, e uns passeios nos Montes Claros onde era sintomática a prostituição que não doía.
Comecei cedo a gostar de ganhar dinheiro. Sete, oito anos, e qualquer nota de cem paus fazia de mim um puto rico. Aliás, putos ricos, já que partilhava todos os ganhos com a malta da minha rua (Luciano Cordeiro).

Acabei por não ter juízo. Perdi a cabeça aos dezoito e dei um tiro num gajo que maltratou uma das gajas que me estimava.
Depois, perdido por completo, comecei por conquistar o meu próprio "cartel" e nunca mais ninguém se intrometeu na protecção que dava às iniciadas da mais velha profissão do mundo. Virei xulo, e ganhei caparro e respeito. Certo ou errado, era a minha vida.
Hoje já não sei onde elas andam. Nem tão pouco sei se ainda existe o mesmo esquema.

Não fosse este Zé que me acompanha desde algum tempo, não me faltaria apenas duas semanas para me ir embora com a promessa que irei mudar de vida. Palavra lhe foi dada.”

Papa Grelos, condenado a oito anos sem agravantes.
(Os impropérios e raivas foram excluídos ,mas fez questão de não retirar o último parágrafo do testemunho. Claro que não vou mentir ao dizer que me sinto bem com a palavra dada por ele. Desejo-te toda a sorte do mundo, Papa.)