Desde miúdo que tive sempre a mania de escrever. Escrevia nas casas de banho dos supermercados, nos bancos de jardim, nos cadernos das gajas da escola. E nunca fui preso por isso. Agora na prisa, temos um jornal de parede onde relatamos experiências, opiniões e muitos disparates. Todavia, neste Agosto em que se comemora mais um aniversário do dito cujo, tivemos uma colaboração suplementar: a dos nossos visitantes que nos reportaram em papel timbrado (Word) preciosos textos que já estão na parede para gáudio de quem nunca acreditou que a regeneração também se pode fazer pela escrita.
Provavelmente, vamos estar menos activos durante uns tempos devido ao facto de termos ensaios para a final do XII Festival de Música Inter-Prisões que se vai realizar no Palacete a 1 de Outubro. Precisamente o dia mundial da dita.
As eliminatórias decorreram em Pinheiro da Cruz e no EP de Leiria, e os doze grupos apurados estão preparados e/ou a prearar-se para o evento. E além de sermos nós a organizar a coisa, esperamos ganhar outra vez se não se importarem (rs).
A ideia do desafio à maltinha que nos acompanha mais de perto continua de pé. Mas não é urgente.
Um dos locais onde o défice democrático é mais abrangente, é sem dúvida nenhuma numa prisão. E percebe-se porquê; somos indivíduos que perdemos o estatuto normal de cidadania ao não termos respeitado a lei que os legisladores, os democratas e outros ditadores, impuseram para um melhor funcionamento em sociedade. As chamadas regras de simplificação, e obrigatoriedade, para que os cidadãos no meio de um envolvimento de progresso e vivência social não possam alterar e estejam sujeitos a sanções se mudarem o rumo a essa ordem de coisas.
Curiosa é a forma como lidamos com esse défice aqui, no Palacete. Aprendemos depressa a lei da reclusão e se falharmos nessa abordagem, o melhor que nos pode acontecer é estarmos fodidos com quem manda aqui. Portanto, e por princípio, nada de fazer ondas se quisermos ter alguns direitos de exclusividade. Tal como a oportunidade de termos este espaço.
Outra curiosidade é aquela a que temos acesso – via informação virtual – que nos dá a conhecer outros atropelos à democracia, e que aqui davam logo direito a trinta dias de solitária. E ultimamente são demasiados os casos em que esse próprio défice democrático está posto em causa, sobejamente divulgados nos mais diversos blogues, e outros sites de opinião, onde entramos pela porta do cavalo. Divulgá-los aqui seria exaustivo, mas quase toda a malta está a par dos últimos casos onde esse défice é mais latente.
Para não me confundir com ideias vindas do exterior, para além da comunicação social a que temos acesso, os blogues são a coisa mais gira que nos aconteceu neste último ano de reclusão. Permite contactar, manter diálogos e cumplicidades que muitos Tratados europeus e outros interesses estrangeiros não conseguiriam convergir favoravelmente.
Por isso, é provável que estejamos tentados a lançar um desafio que temos na ideia a todos quantos nos aparecem por aqui. Esperem pela pancada!
Domingo é um dia de fuga. Dos que fogem ao trabalho e da cidade. Dos que fogem ao sistema e aos impostos. Dos que fogem à rotina e depois batem com os costados às nove da noite nas celas de apresentação que temos por aqui. E foi precisamente num domingo que Deus fugiu depois de se ter apercebido que a Obra estava feita, segundo consta. Tal como os prisioneiros aliados da 2.ª Guerra Mundial o fizeram no Estádio Colombes, em Paris, no que os alemães julgavam ser mais uma jogada de propaganda nazi e se traduziu num embaraço que Karl von Steiner teve dificuldades em explicar.
A nossa fuga ao domingo tem outra vertente; fugimos às tarefas e temos rancho melhorado. Vestimos de lavado os sonhos e sentimentos, visto a maior parte desta malta estar de perto com a família. E é giro, e ao mesmo tempo angustiante, garanto. E por uma questão psicológica e social, já nos apercebemos que toda a gente gosta de fugir. Até os tipos que escrevem em blogues.
Nós sendo regra, somos os únicos que podem fugir à excepção; precisamente porque é difícil fugir daqui e talvez a fuga possível seja aquela daquilo que somos. Por isso, escrevemos ao domingo.
Passados que foram três meses no desaparecimento de Madeleine McCann, as autoridades já não têm muitas hipóteses, nem esperanças, de encontrarem a menina. Estes alarmes, como o da Bélgica, estão apenas ligados à exposição mediática que os pais conseguiram com o apoio de muitos países. Um tipo qualquer que beba uma cerveja a mais pode muito bem comparar a Paris Hilton à Carolina Salgado desde que o seu subconsciente seja alimentado pela atracção do caso e esteja para aí virado.
Na falta do nosso amigo Artur Varatojo, um especialista em Criminologia que nos visitava regularmente para podermos sustentar melhores alicerces na abordagem do assunto, tivemos nova conversa com os companheiros condenados pela prática destes crimes e todos eles são unânimes em afirmar que a Maddy desapareceu, pura e simplesmente, da circulação. Tal como o Pedro, a Cláudia, a Rita, e infelizmente tantos outros.
Gajos habituados como nós a viver em clima de tensão e alerta total, sabemos relativizar as hipóteses de sobrevivência. Quer seja em assaltos, troca de mimos da malta do bairro, trespasses nas grandes lojas de produtos menos próprios, ou assassínios. Na questão de se tratar de rapto acontece a mesma coisa, porque um criminoso de excelência é comparado a um polícia de alto gabarito; tem que estar tudo sob controlo.
E o(s) gajo(s) que fez, ou fizeram isto, não brinca(m) em serviço. Pudera eu acreditar que todas as crianças pudessem aparecer e tivesse a possibilidade de dar um tiro nos cornos aos filhos da puta que se prestam a essas merdas.
Quem nos lê, faria o mesmo? Sabendo que nos esperavam vinte e muitos anos de degredo?