sexta-feira, março 30, 2007

Mundo velho



No mundo velho… cuidado!
Existem valores por onde se regem determinadas fatias da sociedade que não se esquecem de os lembrar. Nem tão pouco os velhos reclusos, que ainda vão resistindo ao degredo, me relatam que antigamente era mais fácil roubar, estrangular, matar se preciso fosse, para que a forma da vida deles continuasse a ser a única saída para se conseguir ter alguma coisa.

Tenta-se pensar que hoje em dia consegue-se ultrapassar muitos obstáculos que eram intransponíveis no tempo dos burros andarem pela cidade.
Por isso, falar da vida de um bandido (ou outro adjectivo que se lhe queira dar) não é fácil. E por razões internas e pessoais, mesmo que o pudesse relatar, nunca o faria. Mas se os que o são a publicassem, teriam igual sucesso como Charrière ou Caryl Chessman. Ou até outros, de igual género mas com imunidades diferentes, o conseguiriam.

Ao absorver o que se passa no exterior, e falar de outros bandidos que toda a gente sabe quem são, muita das vezes nos interrogamos se estamos no lugar certo ou há qualquer coisa errada no sistema social que nos abrange.
E ficamos um bocado à nora.
Basta folhear os jornais que nos entregam gratuitamente. Bastas-nos um clique para saber que nem tudo anda bem aí por fora. Por vezes, chega-nos a simples informação do estado das coisas pelos comentários que nos deixam (obrigado Py) ou pelo e-mail que nos enviam.

Os tópicos avulsos que nos chegam sobre a Independente, o cartaz no Marquês que a gente não consegue ler daqui, ou o idiOTA que o Gato Fedorento tão bem retratou (e que afinal não é engenheiro), trocam-nos a maneira certa de pensar.

E questiono-me sobre o conselho do meu vizinho da cela ao lado, quando me diz:
- Se pensas em refazer a tua vida lá fora, bulir, estabilizar e tal ou essas merdas todas, estás fodido meu.

quarta-feira, março 28, 2007

Mundo Novo



Para quem não saiba, e com as novas tecnologias aliadas à Reforma do Sistema Prisional, estamos numa situação privilegiada na observação do que se passa no mundo. Ao contrário do que aconteceu neste Palacete em 1949 com Álvaro Cunhal, e que ainda é lugar de culto para alguns de nós, temos acesso a quase tudo o que diz respeito à evolução ou retrocesso da sociedade em que se vive.

Para além das normas técnicas (regras, segurança, usos e costumes que temos que respeitar) aqui só não aprende e refaz a sua vida quem não quer. Digo eu, porque estou para aí virado. No entanto, como em outro qualquer lugar deste país pequeno e mesquinho, existem sempre os inviáveis. Os non sense no pior sentido do termo.
Por outro lado, pode custar a acreditar mas, literalmente falando pela escrita, há aqui gajos que possuem qualidades que envergonhariam algumas pessoas bem colocadas na vida. Há de tudo um pouco; poetas, pintores, exímios jogadores da bola e bons profissionais das artes e ofícios que vamos tendo por aqui. Artistas de teatro e da canção, estudiosos, arrependidos, líricos e românticos, poliglotas. Não sei onde me encaixo, mas isto é o lado bom.

O lado pior é os irreversíveis, os descartáveis. Os que não se coadunam, ou que nunca aprenderam a fazê-lo. Os miseráveis vitorianos. No entanto, sempre os defenderemos. Por uma questão de solidariedade e código de honra, até que nos queiram lixar.
Mas parece-me que se poderia fazer mais e melhor no que concerne ao próprio Sistema Prisional e recuperar o maior número de reclusos para a normalização da sua própria actividade social como ser humano.
Depois de quase trinta e três anos de democracia, com total abertura na aprendizagem das melhores reformas que na efeméride dos cinquenta anos a Europa tem desenvolvido, o Tratado de Roma aponta para que sejamos todos berlinenses. Enriquecida com a carga adicional que a mensagem traduz.

Mas da agenda na Unter den Linden, estavam as divisões europeias, o mercado interno, os compromissos para uma Europa mais forte, o euro. Tudo referenciado para um esforço que só irá fortalecer os mais fortes e enfraquecer cada vez mais os mais fracos, esquecendo uma vez mais que os problemas da humanidade só se resolvem humanizando-se a própria sociedade.

E nós, mesmo limitados ao espaço Schengen, quer se queira ou não, fazemos parte dela.

terça-feira, março 27, 2007



Não há um único preso por corrupção na política”, diz o DN de hoje.

E nós acreditamos. Pia e solenemente. Só não percebemos porquê, visto que, recentemente, um estudo internacional qualquer divulgou que em termos de países corruptos, Portugal estava p’raí em vigésimo oitavo ou coisa assim.

Agora percebo mais facilmente a razão dos meus ilustres conterrâneos considerarem Salazar o maior português de sempre, ouvindo como música de fundo o Jorge Palma.

domingo, março 25, 2007

Técnica, estética e cosmética


Desde que o senhor ministro da Administração Interna criou o seu próprio blogue, por coincidência ou não, o nosso começou a ter problemas técnicos.
Coincidência ou não, o certo é que a técnica liberdade de expressão nos está vedada em determinadas matérias ao contrário das que possui o senhor ministro. Por razões de segurança, justificam. E só temos que acatar.
No entanto, entre os dois, existe uma diferença técnica significativa: a de podermos “ouvir”os outros e podermos responder a quase todas as questões até que se acabe com esta experiência que sempre foi piloto, ou se levante as restrições a que estamos sujeitos por código de honra e de palavra.

O senhor ministro emite a sua opinião sobre o que ouve, lê ou escrevem sobre as mais diversas vertentes que lhe diz respeito, mas não permite que lhe respondam tecnicamente às questões que aborda. José Magalhães, um informático excelso, que sabe do que estamos a falar, podia e devia alertá-lo que a blogosfera não é um gabinete de relações públicas com meninas de pernas à mostra a ler a Caras, ou outra qualquer Revista que traga em primeira mão as fofocas do jet set.

Por outro lado, e sem querermos ridicularizar o seu perfil editorial, a Opinião do seu espaço bloguístico dá-nos a sensação que está mais virada para uma classe técnica elitista descurando o sentido que refere no subtítulo de referência: o artigo 19º da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

E nós, tecnicamente falando, teríamos tanta coisa para lhe expor…
Como tecnicamente ainda estamos a gerir a entrevista branqueada de Valentim Loureiro e o golo espectacular do sacana do cigano.
Quaresma de seu nome.

Problemas técnicos

Entre patologias várias e comportamentos desviantes os problemas técnicos fazem parte da vida.
Até da nossa.

sábado, março 17, 2007

segunda-feira, março 12, 2007

Como nasce um recluso



Não nasce. Transforma-se em.
As voltas que a vida leva e trás, na formação duma pessoa, pode definir o seu futuro. Os factores de desequilíbrios sociais riscam e rasgam as regras. Ao constatar esse facto não estarei a inventar coisa nenhuma. Está nos books da universidade da Vida, e tanto ricos como pobres podem lixar-se a qualquer altura. Depende sempre de circunstâncias estranhas que acontecem aos melhores. E vários exemplos actuais demonstram que ninguém estará imune que um dia aqui venha parar.

Socialmente falando, a malta com menos recursos de engenharia intelectual está mais fodida. Toda a gente devia conhecer que a pobreza e a ignorância são factores preponderantes no insucesso de qualquer um. Estes tipos que convivem comigo há vários anos sabem disso, e tentamos precaver-nos para que num futuro próximo possamos agarrar qualquer oportunidade que nos leve a mudar de rumo.

Porém, numa população de mais de treze mil residentes nos estabelecimentos prisionais deste país, nem todos conseguem arrepiar caminho. É fácil apontar o dedo às instituições governamentais que nos votam ao ostracismo e a importância que elas deviam ter para a regeneração de muitos condenados. Mais fácil ainda, é descarregarmos os sacanas dos nossos delitos na incompetência do sistema, no azar que um gajo teve e coisas assim. Ou até na forma como nascemos e fomos criados, sem ser num berço d’oiro ou com o cu virado p’ra lua.

Na incapacidade de o próprio ser humano estar limitado por razões que a psiquiatria ainda não explica, sabemos que as coisas aí por fora também não estão melhores. Atingiu-se um ponto tal que, lendo e revendo artigos de gente que trata disso, a violência alastra sem controlo e não se está a formar melhores pessoas. Veja-se o que se passa nas escolas. Nas ruas à noite da minha Lisboa que devia ser de divertimento e de lazer. Nos estádios de futebol. Nos bairros onde se amontoam pessoas que não têm nada para fazer.

O velhinho problema étnico e de culturas, a falta de condições para quem Portugal recebe a troco de nada, piora ainda mais as coisas. E não se diga que somos nós, os filantropos que melhor pensam no horário nobre fechados na cela fria, que dificultam as coisas. Os filhos desta rapaziada que aqui pernoita e vive no tempo que estipularam, não nascem com cadastro. Os de quem nos lê e acompanha, também não.
Mas há sempre um quarto à sua espera que a imagem acima pode demonstrar.

quinta-feira, março 08, 2007



Devido à minha condição privilegiada no Palacete, bem me pareceu ter visto uns gajos estranhos ao ambiente aqui há tempos. Juntando as peças, presumo que tenham sido os tipos que elaboraram o documento, agora público, da administração norte-americana que a senhora Rice muito bem controla.

De facto, aquelas oitocentas páginas dilaceram o estado em que se encontram as prisões e os detidos. Ou detentos, como dizem os brazucas. Segundo consta no relatório, Cuba e Coreia do Norte, Irão, China, Bielo-Rússia e Zimbabué, têm bola preta. Isso quer dizer que para os intrujas que estão arrecadados naqueles lugares, a coisa está feia.

E por cá? - perguntar-se-ão algumas almas curiosas.
Nós por cá, tudo bem. Temos cama, mesa e roupa lavada. Alguns calduços à mistura e uns castigozitos que a malta vai memorizando no cadastro. Nada de mais.
No entanto, convém salientar que não estou autorizado a esticar-me. Por isso, a bola está do lado dos familiares e amigos que nos visitam. Do lado dos defensores dos Direitos Humanos. Do lado das ONG’s que nos trazem uma palavra amiga.

Muita da raiva contida nos dias amargurados dum recluso não se descreve. Injustiças as há todos os dias, e todos os dias se criam novos injustiçados. Todavia, pode ser que um dia a gente se arrume.
Mais não posso dizer.

segunda-feira, março 05, 2007

Reintegração ou exclusão (2)



“A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, o Instituto de Reinserção Social, a Direcção Geral dos Serviços Prisionais e a Associação Vale de Acór/Projecto Homem constituem a parceria de desenvolvimento do projecto, que tem por objectivo incrementar acções integradas e inovadoras, rentabilizar recursos comuns, minimizar conflitos institucionais e promover o intercâmbio de boas práticas, dada a experiência comum de intervenção junto de comunidades disfuncionais e de grupos de risco.”

Ler esta nota no site do Projecto pode dar a ideia de estarmos a ser seguidos.
Um jornal gratuito relatava a notícia do semanário Sol, trazendo a público uma “casa de transição” onde vivem desde Novembro cinco ex-reclusos acompanhados por um monitor da Santa Casa com horários e regras que têm que cumprir e respeitar.
Pode acontecer que este modo de reintegração seja a melhor que se pôde arranjar. No entanto, duvido que não baste. E porquê? Porque a nódoa mantêm-se a olho nu nesta sociedade que não perdoa.
Como disse Artur Ribeiro num comentário, é preciso “ACOLHER SEM PRECONCEITO QUEM JÁ PAGOU PELOS SEUS ERROS”. E sendo nós, duma forma geral, os detidos menos perigosos da velha Europa, nunca conseguiremos ultrapassar o apontar do dedo desta mentalidade portuguesa. Isto é verdade, não é filosofia.

Se formos mais além do que o raciocínio lógico nos propõe, a exclusão vive num lugar secreto do subconsciente. Num esconderijo Ali Babá onde os ladrões ultrapassam os quarenta. Pergunte-se sem rodeios se alguém gosta de pretos. De ciganos. De monhés.
Pode acontecer o descalabro se nos interrogar-mos porque será que se detestam os drogados, os pedófilos e afins, e temos maior complacência com as putas e paneleiros que fazem pela vida. Pergunte-se porque desviamos o olhar aos sem-abrigo, aos infectados, aos cegos e pedintes, e se apoiam os vigaristas que estão em lugares seguros e cativos nas esferas do Poder.

Sabemos precocemente que a natureza humana é complicada mas, por muito esforço que se faça na caneta do papel de lei, exclusão existirá sempre. Até mesmo àqueles cinco que, coitados, mesmo depois de reabilitados, quando vão à mercearia comprar batatas, notam no semblante das pessoas com quem se cruzam um sinal de afastamento e reprovação por estarem a viver no meio deles.

E isso é fodido, pá!