terça-feira, junho 26, 2007

Monsanto



É a aldeia mais portuguesa de Portugal, dizem. Já a homónima, que é Estabelecimento Prisional e onde também "moram" cidadãos, nem por isso.



Saiba porquê no Blogo Social Português ou em Vidas Alternativas.

Uma visão das coisas



Na convivência social da população reclusa, muita malta vê-se como “os maiores”. Os gajos que conseguem “fazer mais estragos”, dar cabo “desta merda toda” e até há quem tenha como lema “Pão, paz e pumba”. Isso aumenta-lhes o Ego e leva-os a crer que não existe ninguém que os consiga travar.
Mesmo assim, e no sentido inverso aos ponteiros do relógio, muita das leituras que se fazem desta corja de bandidos como eu, são fantasiosas. A maior parte deles espera apenas que o seu período de castigo e paga acabe. E quanto mais depressa, melhor.

Na minha idade, sei o quanto difícil é afirmar-nos neste hexágono. Criar um espaço próprio e ser respeitado por qualquer fidelidade que valha a pena transmitir como valor adquirido, mas onde falta sempre qualquer coisa para entender melhor. Uma estrela-d’alva, a coisa certa. E lendo, relendo, e fazendo um balanço pelas passagens que fazemos a quem escreve neste novo fenómeno de leitura, apercebo-me que é assim em todo o lado. Seja em Aveiro, no Porto, em Évora ou na Assembleia da República.

Nunca fui apologista de ser pau-mandado (estou a pagar essa arrogância) e sempre me pautei por tudo aquilo em que acredito: justiça, solidariedade, trabalho. Mas tive “azar” e vim parar a um sítio totalmente desconhecido de há uns anos a esta parte em relação ao meio onde vivia. Perdi o lugar cativo na esplanada a ver passar as gajas boas. Perdi quem julgava amigos. Perdi o emprego e os benefícios sociais. Felizmente não deixei nenhuma chavala pendurada e ganhei o sol aos quadradinhos mais a tranquilidade para refazer a minha vida.

Se por um lado, a experiência a princípio foi assustadora, pelo outro, deu-me uma nova visão das coisas. Aqui, o dia-a-dia vive-se mais solitário, é certo, mas menos superficial. Os problemas resolvem-se de olhos nos olhos e partilha-se tudo; o barbeiro, fotos de família, histórias das nossas próprias experiências. Fazemos amigos sérios com facilidade e essa amizade não é uma palavra vã nesta miscelânea de rapaziada intolerante, condenada, quase perdida, e a entreajuda faz parte das nossas refeições diárias.

A ler pelos assuntos que são o mote dessa nova sociedade em construção, duvido que aí fora se possa dizer o mesmo.

quinta-feira, junho 21, 2007



“Existe dois tipos de pessoas que são absolutamente fascinantes: as que sabem absolutamente tudo, e as que não sabem absolutamente nada”

Oscar Fingal O’Flahertie Wills Wilde


Desde que esta experiência na Internet em Maio do ano passado, depois de um rápido curso de informática no EPL, nos possibilitou mais-valias no campo da Educação e Ensino, apraz-me escrever que aumentámos o número de interessados em desenvolverem esforços para se tornarem melhor qualificados.

Este desenvolvimento fez com que se alterassem algumas regras rígidas para tratamentos especiais. É o caso de A, B. e C., que estiveram em exames esta semana em duas Faculdades de Lisboa. Economia Política, Psicologia e Gestão de Empresas, são as escolhas que estes gajos perfilharam para poderem ter acesso ao Ensino Superior com acompanhamento interno. Mais. Belas Artes e Língua Portuguesa também constam da escolha de mais quatro tipos malparecidos que passaram a frequentar o Ensino Básico do nosso Palacete.

Isto para não falar na tentativa de nos tornarmos parceiros no projecto ‘Visiting In Prision’ (VIP) que envolve cadeias da Alemanha, Dinamarca, Espanha, Finlândia, Itália, Polónia, Portugal e Reino Unido, e que está a ser testado no Estabelecimento Prisional de Braga, ou sermos aprovados no Processo de Bolonha.
Mas para isso teríamos que contar com um esforço enorme do Governo e na vontade política de alguns Berardos que temo possam não existir no sistema prisional português.

De qualquer forma, é um sinal gratificante a evolução do nosso “Cavalo de Tróia”: o de fazer com que não nos votem ao ostracismo e possamos reintegrar na sociedade o maior número destes fulanos que se portaram mal mas a quem podem dar a chance de refazerem o futuro. Quer um exemplo?

sexta-feira, junho 15, 2007



Soubemos hoje que a dona Isabel Stilwell é a nova directora do gratuito Destak.
E bastou-nos dez minutos na pesquisa ao Google para sabermos mais coisas sobre a senhora. Tal como ter sido redactora no DN, colaboradora na Elle e na Marie Claire, além de fundadora da Pais & Filhos e que, a nosso ver, até é uma cota bem parecida.

Mas o que vem a propósito é o Editorial que ela assinou no assumir do cargo. Destaka a prioridade de assuntos que já referimos neste espaço, mas que é sempre importante relembrar: as armas ilegais, os guetos urbanos, os miúdos de armas na mão.
Pelo estilo da escrita e o curricular que a tal pesquisa nos mostrou, a madame vive bem e escreve livros. E preocupa-se com estas merdas. Dou-lhe razão. Hoje em dia são os filhos destes gajos, meus amigos de cela e outras variantes, que estão na berlinda. Amanhã, espero bem que não, podem ser os filhos dos fulanos e das cicranas que escrevem nos blogues e acontece terem já falado do assunto e julgam estar com o credo na boca ao analisar o caraças da questão, ou assustarem-se da hipótese lhes entrar pela porta dentro. É que conforme esta treta anda, ninguém pode afirmar que está seguro. Nem o António José, que tem um casal de filhos, e até é licenciado em Relações Internacionais, e que por norma e equilíbrio mental, deseja o melhor para o futuro deles.

Ao contrário da análise que um amigo faz de mim, eu não sou doutor. Nem engenheiro ou catedrático, e muito menos possuo pergaminhos no meu curriculum vitae que me façam sentir especial. Sou apenas o produto parido da sociedade que me criou - parece Zeca Afonso, fixe? – mas basta apenas saber, ou estar por perto, destas realidades que não têm nada de virtual, para concluir com um ponto de afirmação. São casos reais de comportamentos juvenis adulterados por exemplos gratuitos de violência infantil, onde as estruturas sociais não encontram solução no volte-face das sociedades modernas, e muito menos os pais deles, na básica estrutura que as sociedades mais avançadas já encontraram.

Sei é que continuamos a debater o problema por baixo, e poucas pessoas se preocupam com o essencial no futuro das próximas gerações. Quase que estava para plagiar o sms sobre o Professor Fernando Charrua que O Jumento (link) teve a ousadia de publicar: “somos governados por uma cambada de vigaristas e o chefe deles todos é um filho da puta”.

Mas,provavelmente, o aeroporto terá prioridade.

terça-feira, junho 12, 2007

Santos? Só populares.



Da alta murada que nos divide das pessoas que estão livres, temos o privilégio de recebermos o som das Marchas em primeiro ouvido. Da Avenida, chega-nos o perfume dos manjericos. Da sardinha assada (que está ao preço das novas tecnologias, já soubemos) e das saudades dos Pateos onde muitos de nós nascemos.

Mesmo detidos, acreditamos que ser de Lisboa é ter alma de poeta e de fadista. É ser Pessoa e ter Linhares no coração. Temos povo na veia, como diz o Aleluia nosso amigo, e sentimos nesta altura uma vontade indómita de estar lá fora. Nos bairros de Alfama e Mouraria. Andar na Madragoa e dar um pulo à Graça, depois de ir a Campolide vindos daquele encantador bairro da Bica. Percorrer as ruas do Alto Pina e descer rumo ao Tejo e ver as Noivas do santo que as tornou tão populares.

Mas daqui… também tá-se bem!

domingo, junho 10, 2007

Os maus e os bons



“A filha do director do Estabelecimento Prisional de Santarém foi morta à facada pelo ex-marido”, noticia o Correio da Manhã na newsletter que nos fazem chegar diariamente. Assassinada, portanto.
Após as nossas condolências enviadas deste Palacete, e revolvendo uns papéis velhos que tenho aqui, continuo a considerar que ninguém está seguro. Nem aqui, nem aí, mesmo que por cá não tenhamos muitas razões de queixa nos últimos anos. As pessoas estão a passar-se, é o que é!

Desde os putos que são cortados à porta das discotecas aos acidentes nas estradas provocados por excessos, já não há manobra para tentar perceber o que está a acontecer nesta sociedade que se diz moderna.
Os exemplos que abrem Telejornais sobre as tragédias que acontecem no mundo inteiro diariamente, dão-me razão. E o silêncio de se estar sozinho numa cela permite-nos ver as coisas de forma diferente. Tal e qual como a malta que escreve nos blogues, agarrados ao teclado durante o dia inteiro. Distanciados dos directos que afligem qualquer um. Da rua, do bairro, da cidade, do país, mas não tanto do mundo, ainda assim.

Hoje, olhando de soslaio para a imensidão de gente que vem visitar os seus parentes, não estranho a miscelânea de raças, de credos, de culturas, que se unem à nossa volta e do receio que penetro no olhar de cada um deles. E não estranho, porque vivemos assim desde que se conhece uma sentença. Ficamos juntos para o melhor e para o pior na fatia desta sociedade menos próspera. Chulos, assassinos, pedófilos, ladrões, traficantes; toda a minha gente vive em uníssono a uma só voz: a da expiação. E sabemos quem somos.

O que me provoca alarido nos neurónios é o já não sabermos distinguir os bons dos maus da fita.

sexta-feira, junho 08, 2007

Devido à morte de um familiar, estive na precária mais longa a que tive direito pelo Código Penal que abrange casos destes. E por vezes me interrogo se fico devedor e grato ou, se por exemplo, se tivesse tido juízo, o rumo das pessoas que fazem parte do círculo da minha vida tivessem melhores dias. Menos angústias e preocupações desnecessárias.

Não sendo um ascendente directo, no entanto, a pessoa em causa mexia com elementos familiares que me estão perto. Ao contrário de mim, nunca fez parte duma "Famiglia à portuguesa", onde a maior parte desta malta se incorpora, mas sim de uma família a sério. Aquela em que os rebuçados, livros e brinquedos, faziam parte dum ritual que perdemos. E são essas pequenas coisas, a que nunca dei verdadeiro valor, que me fazem pensar melhor.

Presumo que não estarei ainda em condições de explicar a morte.
Por muito que me esforce e ultrapasse, há sempre qualquer coisa que me escapa quando tento procurar a perfeição. Parece um paradoxo, mas até o crime pelo qual alguns de nós fomos condenados peca por não ter sido bem delineado e sucedido. Estarei a escrever sobre os meus, mais propriamente. Daqueles que não metem tiros e facadas. Iguais a tantos outros que se praticam diariamente e nenhum de que quem nos lê dá fé.

Daria mais uns anos de reclusão, se possível fosse, para o ter ainda ao pé daqueles que, por razões que me prendem, vejo irrelugarmente.

sexta-feira, junho 01, 2007

Desistir? Nunca!



“Um homem discreto não escreve blogs. Um rapaz atormentado, sim.”
Rui Miguel Brás

É muito capaz de ser verdade.
E atormentados, temos nós aqui aos montes não sendo necessariamente só rapazes novos.
Mas não só. Ao ler esta notícia, lembrámo-nos logo de “Cem Anos de Solidão”. Daquela vila Macondo e da sua vida irreal no meio do nada. Da narrativa de Aureliano Babilónia, que vai morrendo aos poucos, incapaz de resistir ao sufocante peso das gerações condenadas.

Desconhecemos as razões que levaram mais de trezentos reclusos de "il Belpaese" a assinar a sua própria sentença de morte. Leva-nos a crer, talvez, que a esperança de novas oportunidades se apaguem, como na memória dos Buendía, onde só um deles pode ser feliz no encontrar daquele tempo já perdido.

No entanto, tentando-me transpor para a situação de um gajo que leva prisão perpétua, mesmo assim, não consigo descobrir a razão da desistência. Dum acabar numa só vez, como refere o mentor da carta enviada ao La Republica.
Aqui, neste Palacete que está já vendido para a modernização do sistema prisional, a esperança, mesmo sendo a última, nunca morre antes de nós. E vamos tentar dizer-lhes isso.

Logo hoje, em que preparámos uma festa para as crianças que, com um brilhozinho nos olhos nas palavras do poeta, alimentam a esperança destes pais que aqui estão em meu redor voltarem a uma nova vida sem se preocuparem em ser discretos.

Será talvez por isso que escrevemos no blogue, sem necessariamente ser obrigatório estarmos atormentados.