terça-feira, fevereiro 27, 2007

Reintegração ou exclusão? (1)


Foto Saviduria Vedica


Baseado na curiosidade de uma leitora – enviada por e-mail – hoje não me apetecia nada descrever quem somos e o que esperamos desta sociedade que nos julgou e condenou. Parecendo quase um filme americano, onde o litígio é sempre Estado versus Fulano de Tal, no meu caso posso tentar um simulacro: estado português versus Zé “Prisas” Amaral.
(Algures nos arquivos deste blogue, podem encontrar-se as razões da minha penitência. Por isso, vou saltar a merda da repetição e ir direito ao assunto.)

Segundo percebi pelo teor da mensagem, a preocupação é interessante: o que fazemos nós depois de nos pirar-mos daqui?
Recorrendo a um sketch do Ricardo Araújo Pereira, apenas posso acrescentar o seguinte; quando o Programa de reinserção social não cumpre o que foi elaborado em conjunto com o ministério da justiça e outras entidades que se responsabilizam pelo futuro dos reclusos, na maior parte dos casos, nada! Está escrito, mas não se pode fazer.

Costumo dizer por brincadeira que neste país, além das nossas, não existem ideias. E os que as têm não param cá muito tempo. Sei muito bem que é presunção, mas quando constato que ninguém tem soluções, e muito menos dinheiro, para resolver os problemas (e não são só os nossos) que qualquer nação tem, permite-me alguma margem de especulação. O nosso Director sabe disto e o ministro, presumo, também devia saber. Vejamos:

Direitos humanos, reintegração, assistência social, emprego, saúde, e outros blá-blás, é tudo treta. Quando se sai, a grande maioria torna-se mais um fardo para a família. Quando se a tem...
Em questões de sobrevivência e afirmação, um emprego é sempre um útil recurso para quem se quer limpar de vez. Mas quem é que emprega gajos cadastrados e com anos de presídio no seu currículo?

Na área do programa de assistência social a coisa ainda é pior. As dificuldades de integração surgem em catadupa, e mesmo que um gajo vá p’ra lá às seis da matina tentar arranjar nem que seja uma esperança de que no outro dia será melhor, é mentira. Isto sem falar dos que precisam de acompanhamento médico, financeiro e o diabo a sete.
Pessoalmente, não os posso censurar. Afinal de contas, fomos nós que descarrilámos e a malta que desconta está fartinha de dar sempre para o mesmo peditório.

Acho que talvez fizesse falta o Ministério das Correcções. Mas dirigido apenas, e só, por correccionais e com dinheiros que não fossem do erário público. Porquê? Porque o branqueamento de capitais sempre esteve na ordem do dia.
E nós não queremos fugir à filosofia de Estado.

domingo, fevereiro 25, 2007

Óscares



Os jogos da Grécia antiga juntavam os melhores homens de todas as cidades para apurar entre eles o mais forte, o mais rápido, o mais destemido. Na América, presumo que desde 1929, distinguem-se os melhores da 7.ª Arte para eleger os que mais se destacaram nesse mundo tão irreal, mas ao mesmo tempo tão verdadeiro e tão fantástico, que é o cinema.

Para quem puder dar-se ao trabalho de dar uma volta pelas Alas deste Palacete, onde, se quisermos, nem a passadeira escarlate faltará, há um filme que se revê vezes sem conta, repetidamente, todos os dias: o da nossa própria vida.
Nessa película, feita de actores que apenas a maior parte das pessoas conhece pelos jornais, existe um guião que ninguém lê. Uma história de pequenos dramas e maiores tragédias que nos impede de sermos laureados. Um leque imenso de pequenos Padrinhos a quem roubaram os anéis.

Em livre tradução, todos nós tentamos ser Freeman’s. Mesmo que qualquer Stone no sapato torne irrecusável a sensação de entrar p’lo Mar Adentro que temos logo ali em frente. Noites de glória onde não se cobram bilhetes. Efeitos especiais que dispensam um guarda-roupa inusitado ou misturas de som que só nós podemos escutar.

A melhor fotografia vem da alma que nos consome. Lentamente, sem maquilhagem, onde os argumentos adaptados vestem a pele de um vilão. No entanto, por vezes, estas curtas-metragens trazem-nos a possibilidade de subir ao palco. De sermos vaiados ou reconhecidos pelo trabalho que fizemos. De ganhar um Óscar.
Aquele Óscar que há pouco, mesmo no intervalo deste filme, soube que o iam libertar.

quarta-feira, fevereiro 21, 2007

Cirurgia plástica



A procuradora-geral adjunta, Maria José Morgado, depois de em 2000 a Agosto de 2002 ter a chefia da Direcção Central de Investigação da Corrupção e Criminalidade Económica e Financeira (DCICCEF) da Polícia Judiciária, tem nas mãos uma batata quente: o Apito Dourado. Falar dela não é fácil, ao contrário do processo onde toda a gente gosta de malhar. Sobretudo as cores opostas de quem se está a ver encurralado (rs). Mas, diz quem a conhece de outras “guerras”, se continuar a Zé daqueles tempos, Pinto da Costa e toda a máfia do futebol que se acautelem.

Por outro lado, não faço a mínima ideia do que Judite de Sousa vai perguntar a Pinto Monteiro na Grande Entrevista de hoje. No entanto, posso subverter já as respostas: não vai sair nada dali. O segredo de justiça será a camisa-de-forças que impede tentar saber e perceber a morosidade no desenvolvimento de todos os processos mais mediáticos a apanhar pó nos tribunais. Mesmo que já tenha lido algures a disponibilidade de mais informação no site da Procuradoria. (link)

Uma coisa a gente sempre soube: o poder de alguns poderes ainda tem muita força e a cirurgia plástica ajuda a esticar as peles.
Já de nós pouca gente sabe. Mas o P. João dá uma dica no DN. (link)

domingo, fevereiro 18, 2007

Disfarces e folias


Desfile na Av. da Liberdade - 1905

Quando na segunda metade do século XIX os engenheiros responsáveis pelo projecto e construção do Palacete (EPL) durante os anos 1864-1885, talvez não imaginassem que um dia um recluso falasse, ou escrevesse, sobre eles e estes erguidos muros, cento e tal anos depois.

Muito menos sobre o regime penitenciário daquela altura onde era absoluta a separação dos condenados entre si, sendo a cada um destinada “uma cela em que tinha de habitar" e que os presos a cumprir pena de prisão maior e celular que não fossem declarados incapazes, "seriam obrigados a trabalhar dentro da respectiva cela, ou em compartimentos adequados para esse efeito".

Os reclusos receberiam ainda instrução para o exercício de uma profissão fora da cadeia, instrução primária e instrução moral e religiosa. Os exercícios físicos quotidianos, a efectuar nos pátios ou dependências da cadeia, deveriam assegurar que os reclusos "não tivessem entre si comunicação alguma, nem pudessem conhecer-se".

Fundamental para manter a incomunicabilidade dos reclusos, que "não poderiam, sob qualquer pretexto, ver-se nem comunicar entre si por escrito, por palavras ou sinais", era a utilização por estes, fora das celas, de "um capuz que lhes encobria o rosto e que não poderia ser levantado senão nos pátios de passeio, no anfiteatro da capela, ou em outros lugares em que não estivesse presente outro preso". O mesmo valendo para os reclusos ocupados "em serviços ou trabalhos, fora das celas", que não poderiam "dirigir-se por palavras ou gestos aos presos que se ocupem no mesmo serviço, ou que estejam próximos". *

* (Regulamento Provisório da Cadeia Geral Penitenciária do Distrito da Relação de Lisboa, Decreto de 20 Nov. 1884. Texto baseado num trabalho de pesquisa efectuado por José Carlos Mendes


É usual dizer-se que a vida são dois dias e o Carnaval são três. Isso alterou tudo.
Joaquim Júlio Pereira de Carvalho, Luís Victor Le Cocq e Ricardo Júlio Ferraz, são três dos pais desta instalação que já podem descansar os ossos.
Os nossos... esses, ainda têm um longo desfile a percorrer.


Nota de rodapé na dica do nosso amigo Py:
Pode ir acompanhando as diversas inicativas e eventos de reclusos em vários pontos do país no link abaixo mencionado

Direcção-Geral dos Serviços Prisionais

quinta-feira, fevereiro 15, 2007

A preto e branco


Foto retirada do blogue do Pedro Nobre.

Numa cela, um gajo sozinho pode dar em maluco. Eutanar-se até.
Nos horários dependentes, um gajo sozinho pode ter ideias levadas da breca ou do caralho e querer acabar com as preocupações de segundos e terceiros a quem só damos encargos. Contam-se os centímetros, as barras de ferro, as baratas que nos entram pela grade. O frio. O grito de noites mal dormidas que nos distinguem dos cem metros que nos separam daquela rua mesmo ali à nossa frente. A ausência de poetas. A anulação de pensamentos positivos. O sentir que podemos ser alguma coisa.

Por vezes, somam-se ilusões. Acumulam-se fundos nas esperanças retardadas que os tribunais teimam em prolongar e uma nudez que não tememos em mostrar.
Vale-nos, por vezes, a imensidão deste vazio. Uma palavra dos tipos que nos visitam. Ou os olhos das Carvoeiras e a maneira que têm de olhar. (link)

quarta-feira, fevereiro 14, 2007

Impulso




Se alguém hoje te oferecer flores… isso é estratagema
Jogos de guerra
Paz desencontrada

Se alguém hoje te oferecer perfumes…isso é engate
Uma gaiola
Armadilhada

Se alguém hoje te oferecer jóias… isso é interesse
Escravidão
Tomar partido

Mas se alguém te der cinco minutos de atenção…
Isso é peito aberto
isso é de amigo



Excerto de um poema do livro “Muros com grades por fora”, guardado na gaveta do Paulo Gomes Seabra. Um puto que merece oportunidades na puta desta vida que levamos.

segunda-feira, fevereiro 12, 2007

não desfazendo

Ao contrário da opinião emitida no texto abaixo (sobre estarmos fartos de ouvir falar de abortos) foi difícil fugir à questão e, desta vez, resolvemos rodar o filme no sentido inverso.
É verdade que os pequenos grandes debates nacionais trazem a vantagem de se discutir as coisas e descobrir a opinião de gente que ignorávamos pudessem existir. O mundo dos blogues não é excepção, e não há cão nem gato com ligação à Internet que não faça valer a sua. Até nós. (rs)

A questão, propriamente dita, não estará em saber se o que está em jogo quando pretendemos analisar qualquer assunto é ou não politicamente correcto, se é ou não socialmente discutível. Afinal de contas, sejamos justos, foi sempre mania dos portugueses gostarem de dar palpites sobre tudo o que se mexe. Por vezes, até do que já está morto de morte matada.

Neste fim-de-semana chuvoso, sentámos oito gajos sem escrúpulos da Ala mais inconveniente para o sossego desta casa e navegámos por aí à sorte. Mesmo ao calhas, um pouco antes de o Benfica ter sido envergonhado na Póvoa do Varzim.
Pelas primeiras leituras, sabíamos de antemão que o SIM ia ganhar. Ainda não percebemos o quê, mas sabíamos. Quanto ao outro lado da fita que estamos a tentar passar, já calculávamos que o oposto colhia menos. Sempre fiel ao comportamento tão popular deste povo que dificilmente, ou em raras ocasiões, sabe dizer não.

Os portugueses nunca dizem não a uma lampreia à moda do Chef, a um bacalhau com grão ou ao borrego assado no forno. Como se comprova na taxa de alcoolemia nas noites das maiores cidades, a malta nunca se nega a uma bojeca bem fresquinha, aos coctails nas disco’s ou, para os mais puros e patriotas, a um bom vinho verde quando se quer dar nas vistas. Tinto, ou branco fresco, também cabe na ementa se se quiser impressionar a gaja que estamos a tentar papar. É necessário é que seja bom e ela também. Para trás podem ficar os casos mais prementes que todos nós precisamos que se resolvam: saúde, educação, emprego, exclusão, porque um dia vou precisar que as coisas funcionem para me poder integrar sem andar ao deus dará.

Daí que, estes oito gajos convidados quase a empurrão, terem mantido idêntica reacção à medida que íamos passando pelos sítios considerados de preferência nacional e que, ao ouvir e lendo os comentadores oficiais do reino, diziam: “É só merda.”
Claro que posso adiantar que me calando me consinto. Mas não é verdade. Há abortos para além das dez semanas que ainda andam por aí em lugares-chave deste país.

terça-feira, fevereiro 06, 2007



"E por vezes as noites duram meses/E por vezes os meses oceanos/E por vezes os braços que apertamos /Nunca mais serão os mesmos."

David Mourão Ferreira


As questões exacerbadas cegam as pessoas. Muitas dessas cegueiras estão a cumprir pena por não terem contado até dez antes de reabrirem os olhos. E para que não deixe de ver com este dois que a terra há-de comer, já não passamos cartão ao referendo. Temos motivos variados e de sobra onde nos debruçamos mais interessantemente. O indulto será um deles.
Vai daí, sabemos que foram contemplados 34 tipos com culpas no cartório dos oitocentos e tal que foram solicitados. 28 de redução parcial, 6 de revogação. Incluindo o da gaffe do Presidente. Mas isso a nós não nos diz respeito.

O importante é explicar quais os critérios aplicados.
Na maior pare dos casos há um lado humanitário da Justiça, diga-se em abono da verdade. Noutros, imperam os motivos como o sucesso na reinserção social por via do “estudo”, do “trabalho” e da “recuperação da toxicodependência”, plagiando a análise do Dr. Rui Pereira (professor universitário que preside à Unidade de Missão para a Reforma Penal).
Todos estes mecanismos funcionam nos pareceres dos Magistrados dos Tribunais de Execução de Penas, dos Directores e dos Serviços de Educação e Ensino dos Estabelecimentos Prisionais e do Instituto de Reinserção Social, que são algumas das responsabilidades que estes tipos têm.

Dum modo geral, é apenas isto que quem nos vai lendo por aqui sabe. No entanto, existem outras histórias que um dia poderei contar lá fora e ilustra o reverso da medalha que qualquer vida passada no presídio tem.
Pessoalmente, fui agraciado por conseguir ter mantido uma relativa distância aos frutos proibidos. Provavelmente por não estar na minha maneira de ser e, talvez sendo boa ideia, não faltará muito para que deixe aqui vincado um 'Até sempre'. Outros, entretanto, tiveram melhor sorte e vão ser lançados na rua mais sabidos do que quando cá entraram. Por isso, a história que se segue é curta.


Os olhos que me fitavam à entrada da minha cela, cansados e já sem brilho, ainda assim retinham uma mescla de esperança. Naquele olhar cabia tudo; audácia e verbo, suores gelados e medo. Muito medo.
- Vou-me embora.
Aquela frase de despedida e a barba esbranquiçada e por fazer, tolheram-me qualquer troca de palavras.
Num gesto simples, estendeu-me a mão enrugada pelo passar de muitos anos neste céu aberto do Palacete. Apertei-a, tentando transmitir-lhe confiança.
- O que é que eu vou fazer à minha vida, Zé?
Disse por último, num compasso sem espera nem dar tempo de resposta. Em jeito de quem vai voltar a ver-me.

domingo, fevereiro 04, 2007



Para além das forças de segurança ou paramilitares no estrangeiro, desportistas de alta competição em provas internacionais e pessoal das embaixadas e consulados, fomos nós a estrear em Lisboa as urnas de voto sobre o referendo.
O representante do presidente da Câmara Municipal, António Proa, dignou-se cá vir buscar os nossos quatro papéis.
E a juntar aos dois dos gajos que estão internados no Hospital de S. José e mais um do Estabelecimento Prisional de Monsanto, fomos sete a usufruir de um estatuto quase “privilegiado” que esta lei permite.

Mas num universo de mais de mil meliantes arrecadados nesta zona, os resultados não são encorajadores para qualquer dos lados. Segundo noticiava um jornal gratuito, a abstenção ronda quase os cem por cento e, pasme-se, nem sequer as mulheres em regime de reclusão votaram (Tires e S. João de Deus).

Podem extrair-se demasiadas explicações filosóficas, psicológicas, antropófagas, para a tendência que se tem acentuado desde 2002 dos reclusos portugueses no dar voz ao direito de cidadania. Quer para as autárquicas, legislativas ou presidenciais. Mas há uma que é subjacente, e em que medito constantemente por ser da praxe: todos os bandidos costumam desconfiar uns dos outros.